O nutricionista Felipe Feres Nassau pode se tornar um dos primeiros réus do 8 de janeiro a pegar uma pena menor do que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem imposto aos extremistas e ainda ficar liberado. Da caneta do ministro Alexandre de Moraes já saíram penas e 12 a 17 anos de prisão. Felipe pode pegar três anos, mas já ter direito a ficar em liberdade.
O processo dele dá uma amostra de que Moraes pode aliviar o peso da pena até por motivos prosaicos, como é o caso do nutricionista que tem quase 70 mil seguidores no Instagram e, antes de ser preso, dava receitas na rede social de como manter dieta e saúde em dia.
Com 37 anos, Felipe mora no Lago Norte, bairro nobre da capital federal. No fatídico 8 de janeiro, diz que resolveu sair de casa para comprar um chinelo. Dali a três dias, tinha viagem para o Rio de Janeiro e o item faltava para sua viagem à praia.
Quando chegou no Conjunto Nacional, viu uma multidão passando pelo Eixo Monumental em direção ao Congresso. Alega que disseram a ele que era um ato “por Deus e pela família” e foi se juntar a eles. No depoimento prestado ao Supremo, Felipe admite que foi parar dentro do Palácio do Planalto, invadido e depredado. Mas jura que ele mesmo não quebrou nada. Só entrou lá para se refugiar das bombas que explodiam na Praça dos Três Poderes.
O relato do nutricionista não difere muito dos já ouvidos pelo STF até o momento. A maioria alega não ter quebrado nada e só entrou nos prédios porque a porta ou estava aberta ou já tinha sido arrombada por outros. Ainda assim, as penas já firmadas superam os dez anos de prisão.
O caso de Felipe, no entanto, fez o ministro Alexandre de Moraes rever o tamanho da punição. Moraes absolve o nutricionista dos crimes mais graves, como tentar dar golpe de Estado mediante ato violento. Sobrou a depredação do patrimônio público e preservado pelo Patrimônio Histórico.
Um item inusitado, anexado pela defesa ao processo, parece ter convencido Moraes de que o nutricionista poderia ser um golpista acidental. Os advogados incluíram a cópia de um recebido de Uber. Nele aparece o trajeto e o horário percorrido por Felipe no 8 de janeiro.
Ele pegou um carro às 14h56 em sua casa e o motorista o deixou no shopping Conjunto Nacional às 15h07. A essa altura a multidão estava mesmo a caminho do Congresso.
Para Moraes, o fato de não estar entre os acampados no QG do Exército seria indicação de que não dá para ter certeza que o nutricionista nutria o desejo de golpe e agiu para isso. Faltaram provas, sustentou o ministro. E propôs pena de 3 anos apenas pelos crimes de depredação ao patrimônio, podendo já começar a cumprir a sentença em regime aberto. Ou seja, não volta para a cadeia. Em agosto, ele já tinha recebido uma ordem de liberdade provisória com direito a usar tornozeleira eletrônica.
O voto de Moraes está disponível para leitura no plenário virtual do STF. Outros ministros ainda vão votar e selar o destino de Felipe.
O erro material
Além do caso de Felipe, um outro processo segue na mesma toada. O réu se chama Orlando Ribeiro Junior. Tem 57 anos, mora em Londrina. Como o nutricionista brasiliense, Orlando também foi detido dentro do Planalto no 8 de janeiro.
No voto que inseriu no plenário virtual para os demais colegas apreciarem, Moraes tinha usado o mesmo argumento para impor a pena de 3 anos. Chegou a citar que o paranaense pegou um Uber para ir ao local da manifestação, apesar de isso não estar no processo de Orlando.
Procurado pelo Estadão, o STF admitiu o erro no voto. Mas alegou ser apenas de ordem “material”. Na quinta-feira, 19, o texto assinado pelo ministro Alexandre de Moraes no plenário virtual foi modificado, mas só percebe quem leu a versão original.
O novo voto não tem mais a referência ao Uber. Mas foi mantido o entendimento de que em relação a Orlando também não havia prova da intenção golpista. Se os demais ministros confirmarem o que propõe o relator, Orlando, como Felipe, também começa a cumprir pena em liberdade.
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