Se a história se repete como farsa, vez ou outra os fatos parecem nos pregar peças para por essa máxima à prova. Nesta semana, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), pôs por terra o que pode ser considerado o principal registro de como uma empreiteira atuou por décadas para corromper o mundo político que, nada santo, também dela se beneficiou. Foi tudo anulado. Há exatos 31 anos, na manhã do 8 de setembro de 1992, o Estadão foi às bancas com a manchete revelando a existência de um “manual da corrupção” do esquema operado pelo empresário Paulo César Farias, o PC, na gestão do então presidente Fernando Collor. Dois anos depois, foi tudo anulado.
As semelhanças entre os casos separados no tempo por três décadas começam pela Corte. Toffoli é magistrado do STF, indicado ao posto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No caso Collor, o relator do processo criminal foi o ministro Ilmar Galvão, ele também levado ao Supremo por indicação do presidente que se tornou réu.
Para quem não se lembra, foi mais ou menos assim: PC Farias era o tesoureiro de campanha que, descobriu-se, cobrava propina de empresários. Mantinha contas em nome de fantasmas e com elas pagava as despesas pessoais de Collor. Alvo de uma ação da Receita, PC teve seus computadores apreendidos num escritório em São Paulo. Na sede da empresa Verax, fiscais deram uma batida e levaram o aparelho consigo.
O equipamento foi mandado para Polícia Federal. Peritos quebraram a cabeça para resgatar a memória apagada. Quando recuperaram deram de cara com o tal manual da corrupção. Como revelou na época a repórter Coeli Mendes, do Estadão, ali estava descrito como o esquema deveria operar, indicando pessoas para postos chaves no Poder Executivo e mapeando as “oportunidades” de negócio com quem estava prestes a receber dinheiro federal. Para receber tinha que pagar uma propina, claro.
O laudo pericial virou prova contra Collor. Era a tradução literal de que o esquema era articulado e mantinha tentáculos em todo o governo de então. Quando o ex-presidente foi a julgamento em dezembro de 1994, o relator Ilmar Galvão ouviu os apelos da defesa. Considerou que a prova não valia. Motivo: não houve ordem judicial para apreender o computador ou mesmo vasculhar a memória apagada. Numa votação por 5 a 3, Collor saiu absolvido por falta de provas. Apesar de politicamente destroçado com o impeachment aprovado no Congresso, passou bom tempo repetindo que crime não cometera, até ser recentemente de novo julgado pelo mesmo STF e, desta vez, condenado.
Mas o que tem esse causo já distante na memória com Toffoli e o atual Supremo? Toffoli fundamentou anulação das provas colhidas na empreiteira Odebrecht também alegando procedimentos inadequados para obter os registros. O banco de dados da construtora que tinha lá nomes e valores não valia porque o Ministério Público, apressado, não tratou de formalizar uma cooperação internacional para trazer ao Brasil o conteúdo que estava no exterior.
Nos idos da década de 1990, o MPF e mesmo a Polícia Federal ainda estavam montando know how de como enfrentar e investigar o andar de cima. Não era prática interna fazer combinações heterodoxas, para dizer o mínimo, como mais tarde a turma da Lava Jato foi pega fazendo.
Ainda assim fica difícil apagar da memória as provas que parecem gritar: tem corrupção aqui!
Parece que ainda anda valendo a frase do então procurador-geral da República Aristides Junqueira que, diante de uma pesquisa pós absolvição de Collor mostrando a pouca confiança do brasileiro na Justiça, comentou: “os iguais não gostam de condenar os iguais”.
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