Na série Amazoninos, produzida entre o fim dos anos 1980 e início dos 2000, a artista plástica Lygia Pape (1927-2004) usa materiais como ferro e plástico para criar “naturezas próprias” que geram a sensação de surpresa no observador. Já para os investigadores da Operação Lava Jato, o Amazonino Vermelho encontrado no apartamento de Márcio Lobão, no Rio, é só um artifício usado pelo filho do ex-senador Edison Lobão (MDB-MA) para lavar R$ 160 mil desviados da Transpetro por meio da galeria de arte Almeida & Dale. Veja a galeria de obras de arte do filho de Lobão.
Na quarta-feira, 30, Márcio, Edison Lobão e outras seis pessoas foram denunciados pela força-tarefa da Lava Jato por crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos da Transpetro com o Grupo Estre e o Consórcio NM Dutos Osbra que somam R$ 1,5 bilhão.
Entre os denunciados está Carlos Dale Junior, um dos donos da Almeida & Dale. A pista levou a Lava Jato a abrir investigação para apurar a suspeita de que o ex-senador Luiz Estevão teria lavado R$ 65 milhões por meio da galeria.
A Almeida & Dale também é citada em casos envolvendo o senador Fernando Collor de Mello (PROS), suspeitas de irregularidades na aquisição do avião que caiu matando o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e no processo que pede a cassação por uso de caixa 2 eleitoral do prefeito de São Caetano do Sul, José Auricchio Júnior (PSDB).
Em meio a um ambicioso plano de expansão que tinha como objetivo dominar o mercado de arte brasileiro, a Almeida & Dale foi alvo de ações da Polícia Federal e trouxe para o centro da Lava Jato nomes como Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Alfredo Volpi.
Não, a nata dos artistas plásticos brasileiros não participou dos desvios. Mas os investigadores suspeitam que suas obras foram usadas para lavar dinheiro desviado da Petrobrás.
Para a Lava Jato, Márcio Lobão pagou pelo Amazonino Vermelho R$ 200 mil a Carlos Dale Júnior em maio de 2011, sem nota fiscal, mas só declarou a obra em 2012, com nota de R$ 40 mil, ocultando R$ 160 mil.
Em 10 de setembro, a PF desencadeou a 65ª fase da Lava Jato, a Operação Galeria, que fez busca e apreensão na sede da Almeida & Dale, em São Paulo, e achou documentos que apontam para Estevão, condenado a 26 anos de prisão por peculato, estelionato e corrupção no caso do TRT-SP. Entre maio de 2008 e outubro 2018, ele teria participado da negociação de R$ 65 milhões em obras com a Almeida & Dale. Entre elas, trabalhos de Tarsila, Di Cavalcanti e Volpi.
Uma denúncia anônima enviada ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em outubro de 2015 anexada à ação sobre a suspeita de pagamento de R$ 26 milhões em propinas a Collor dizia que Estevão era o verdadeiro dono da Almeida & Dale e que a galeria era usada para ocultar valores do ex-presidente. A denúncia foi arquivada. Não há registro de transações entre Collor e a galeria.
Dez cheques da galeria foram depositados na conta da aposentada Ana Maria Comparini Silva, que era usada, segundo a Procuradoria Eleitoral de São Paulo, para alimentar o caixa 2 da campanha do prefeito de São Caetano do Sul, José Auricchio Junior, e de candidatos a vereador do PSDB em 2016. Na ação que pede a cassação de Auricchio, Carlos Dale Júnior diz que “a contabilidade da empresa melhorou depois de 2018 e que agora fornecem notas fiscais e destacou que antes da profissionalização da contabilidade as declarações de Imposto de Renda não refletiam as negociações da empresa”.
A Almeida & Dale também foi alvo de ação fiscal da Receita em 2017 por pagamentos sem causa para empresas fantasmas, segundo a investigação.
Especialistas afirmam que o uso de bens não monitorados, como obras de artes e joias, para ocultação de valores ilícitos aumentou a partir da Convenção de Viena, em 1988, que obrigou todos os países a criarem legislações específicas para combater a lavagem do dinheiro do narcotráfico.
“Obras de arte têm valor altamente volátil, é difícil argumentar objetivamente se uma obra vale determinado preço ou não. E são fáceis de transportar”, disse Heloisa Estellita, professora de direito penal da Fundação Getúlio Vargas.
Não cabe ao dono verificar origem de recursos, diz defesa
O advogado da Almeida & Dale, Ralph Tórtima Filho, disse que a galeria não reconhece as acusações de participação em atos de lavagem de dinheiro. “Ele (Carlos Dale Jr.) está extremamente tranquilo. Não cabe a ele, como não cabe a qualquer negociador, verificar a origem dos recursos nas vendas feitas pela galeria.”
Segundo Tórtima, Dale vende obras pelo valor de mercado. “Se antes a obra foi declarada por valor a menor, não é responsabilidade da galeria”, argumentou.
Quanto aos R$ 550 mil que foram parar na conta que, segundo o Ministério Público, abastecia o caixa 2 do PSDB em São Caetano do Sul, o advogado disse que não existem provas de que os depósitos foram feitos pela galeria. “Os cheques foram dados a outra pessoa.” A assessoria de José Auricchio Júnior afirmou que “a prestação de contas eleitorais do prefeito registrou de forma transparente as doações recebidas de Ana Maria Comparini”.
A defesa de Luiz Estevão e a assessoria de Fernando Collor não se manifestaram. A reportagem não conseguiu contato com Edison e Márcio Lobão.
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