RIO – Nomeado secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro pelo então interventor da área no Estado em 2018, general Walter Braga Netto, o general Richard Nunes, futuro Chefe do Estado-Maior do Exército, diz que a responsabilidade pela nomeação do delegado Rivaldo Barbosa, preso acusado de planejar a morte de Marielle Franco, como chefe de Polícia Civil durante a intervenção federal é dele “e de mais ninguém”. A versão do general quatro estrelas do Exército contraria o relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o assassinato da vereadora, de que Rivaldo ocupou o posto por “ingerência política”.
Em entrevista ao Estadão, Richard Nunes se diz surpreso com o suposto envolvimento de Rivaldo Barbosa com o assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes. Ele foi nomeado chefe de Polícia Civil um dia antes da morte da parlamentar. Segundo o general, Rivaldo tinha “uma folha de serviço prestado bastante considerável” e era considerado “um nome respeitado e que foi muito bem aceito por toda a sociedade” à época.
“É surpreendente. Realmente, é uma coisa totalmente absurda pelo que a gente está acompanhando. Eu me considero tão surpreso quando qualquer outro porque durante todo o período em que eu estive à frente da secretaria, jamais me passaria pela cabeça uma coisa dessa. Se isso tudo for confirmado, se essa delação foi confirmada, é algo de deixar a gente perplexo. Em relação ao que tem saído sobre o meu nome, sobre a nomeação do Rivaldo, é o que eu já disse, claramente: a responsabilidade é minha, de mais ninguém”, afirmou Richard Nunes.
A sugestão do nome de Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil foi feita pelo setor de inteligência do Comando Militar do Leste (CML) em uma lista com cinco nomes. A organização era comandada desde 2016 por Braga Netto, que permaneceu no posto até 2019. Enquanto chefe do CML, ele foi nomeado interventor na segurança do Rio pelo então presidente Michel Temer (MDB), para o período entre fevereiro e dezembro de 2018.
A princípio, Rivaldo não era a primeira opção de Nunes para o posto. O general tinha como prioridade nomear o delegado Delmir Gouvea para o cargo. Os dois trabalharam juntos durante uma operação de pacificação do Complexo da Maré, entre 2014 e 2015. Mas Gouvea não aceitou o convite.
Sem a opção pessoal, Richard Nunes se voltou à lista de indicações do CML. O general afirma que a Subsecretaria de Inteligência, órgão da Secretaria de Segurança Pública do Rio, “contraindicou o nome de Rivaldo”, mas ele manteve a indicação dado o histórico de serviços prestados pelo delegado.
“Rivaldo era o chefe da divisão de homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Um delegado que tinha, talvez, a maior visibilidade entre os delegados da Polícia Civil e uma folha de serviço prestado bastante considerável. Um nome respeitado que foi muito bem aceito por toda a sociedade. Então, à época, era isso que eu tinha. Aceitou o convite e cumpriu a missão dele. Era tão respeitado que foi respeitado pela família da Marielle, que ele conhecia, e pelo próprio Marcelo Freixo. O mais, é muita especulação, muita coisa que não tem sentido. É tentar querer vestir uma roupa de 2024 em 2018″, diz.
Os advogados de Braga Netto afirmam que ele não tinha qualquer ingerência na definição da Polícia Civil e que o general não pediu nem buscou sugestões junto à inteligência do CML sobre possíveis indicados. “O general não teve ingerência na nomeação deste delegado. Coube exclusivamente à secretaria de Segurança. No que toca a este fato de que houve uma busca na inteligência do CML, essa busca não foi realizada pelo general Braga Netto e nem a pedido do general Braga Netto. Repito: não teve nenhuma ingerência”.
A inteligência da secretaria chefiada por Richard Nunes contraindicou Rivaldo Barbosa. O general avaliou que as ressalvas não se “pautavam em dados objetivos” e bancou a nomeação do delegado para comandar a Polícia Civil. Na conclusão da apuração, a polícia apontou a “passiva gestão dos militares à frente da Segurança Pública do Rio de Janeiro”, a “falta de traquejo para manejar as vicissitudes do jogo de poder fluminense” e a “manutenção de Rivaldo mesmo após a contraindicação” como fatores que indicam a gerência de Richard Nunes na nomeação do delegado.
“É uma escolha absolutamente normal. Começou a especulação de que eu não teria dado ouvidos a uma a uma contraindicação de inteligência. Não existe isso. Contraindicação de inteligência existe, normalmente, quando a gente está diante de uma lista de nomes, que a gente tem alguns dados que são apresentados. ‘Ó, esse aqui consta isso, consta aquilo’, mas isso é um dado a ser considerado. Não é uma investigação pronta, acabada, que a gente possa cometer uma injustiça de considerar aquilo ali como algo concreto e, a partir disso, prejudicar uma pessoa”, diz Nunes sobre a contraindicação de Rivaldo para o cargo.
Para o general, a escolha de Rivaldo foi “fruto de critérios” que ele estabeleceu e que, agora, “não dá pra querer ficar voltando no tempo”.
“Eu tinha uma decisão a ser tomada dentro de um prazo curto. Não podia ficar esperando que uma coisa como aquela que tinha sido apresentada fosse elucidada. Tanto não foi, que só foi agora. Essa coisa de assumir a responsabilidade é comigo mesmo. Sempre assumi naquele momento e continuo agora. Quem nomeou o Rivaldo fui eu. Não sofri ingerência nenhuma. Foi uma decisão fruto de critérios que eu estabeleci. Agora, depois do que tudo aconteceu... olha, agora é outro tempo, agora é outra hora. Não não dá pra eu ficar querendo voltar no tempo com o que eu sei agora”, diz.
Motivação para o assassinato de Marielle
Em dezembro de 2018, em entrevista ao Estadão, Richard Nunes afirmou que Marielle foi morta porque milicianos acreditaram que ela podia atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste da cidade. Na época, a investigação sobre o caso ainda estava no início. Os executores Ronnie Lessa e Élcio Queiroz sequer haviam sido presos.
Nunes revelou que o crime estava sendo planejado desde 2017, muito antes de o governo federal decidir decretar a intervenção federal no Rio. Seis anos depois do crime, o general conta que tinha suposições sobre o que considerava “um caminho bastante plausível”.
“Eu tinha já algumas suposições pelo que era apresentado que esse era um caminho bastante plausível, de que foi por esse tipo de envolvimento (regularização fundiária). Não é uma coisa tão definitiva, mas era algo plausível para aquele momento. Agora essas coisas vieram à tona. De lá para cá, nunca mais tive contato porque eu sai da intervenção. Era uma indicação, assim como o fato também quando o Giniton efetua a prisão dos dois executantes”, diz.
O delegado Giniton Lages foi designado para investigar o assassinato de Marielle Franco na Delegacia de Homicídios da Capital. Ele foi alvo de busca e apreensão realizada pela PF neste domingo, 24, por “atrapalhar” as investigações. Ele também foi afastado da Polícia Civil do Rio de Janeiro por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Giniton divulgou nota no início da noite deste domingo. Ele afirma que enquanto comandou a investigação tomou todas as providências para resolver o caso “em sua integridade” o que, segundo ele, só não foi possível porque foi retirado do caso no dia seguinte às prisões de Ronnie Lessa, autor dos disparos, e Élcio de Queiroz., que dirigiu o veículo utilizado na execução. Horas após o crime em março de 2018, Lages foi nomeado por Rivaldo Barbosa para conduzir a investigação. Segundo a PGR, tanto ele quanto o comissário atuaram posteriormente ao assassinato para “embaraçar as investigações” e proteger os reais mandantes.
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