Larissa Peixoto Gomes, Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pesquisadora do Centro de Políticas Públicas do País de Gales - Universidade de Cardiff
Thiago Silame, Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), Professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL)
Helga Almeida, Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
A conta chegou em Minas Gerais e ela é alta. O Estado apresentou em janeiro recordes diários de números de casos de COVID-19. Consequentemente, houve alta nos números de mortes pela doença que superam as estatísticas de meados de 2020 (quando o país e o Estado alcançaram os mais elevados números de casos e mortes).
Hoje, Minas Gerais é o segundo Estado em número de casos, são 811.742[1] pessoas contaminadas, só perdendo para São Paulo, e o terceiro em número de óbitos absolutos 16.903[2]. Pode-se ver nas tabelas abaixo as curvas indicativas de novos casos. Nessas fica claro como o número de novos casos aumenta visivelmente de patamar em Minas no fim de 2020 e no começo de 2021
Gráfico 1. Evolução de novos casos em Minas Gerais[3]
Fonte: https://covid19br.wcota.me/#graficos
Além disso, no gráfico abaixo é saliente o crescimento do registro de novos óbitos em MG.
Gráfico 2. Evolução de novos óbitos em Minas Gerais[4]
Fonte: https://covid19br.wcota.me/#graficos
Pensando nas vinte maiores cidades mineiras e o avanço da Covid destacam-se pelo aumento do número de novos casos as cidades de Belo Horizonte, Juiz de Fora e Varginha.
Gráfico 3. Evolução do número de novos casos nos vinte maiores municípios de Minas Gerais[5]
Fonte: https://covid19br.wcota.me/#graficos
Em relação ao número de novos óbitos em 2021 destacam-se as cidades de Belo Horizonte, Juiz de Fora, Varginha e Ipatinga.
Gráfico 4. Evolução do número de novos óbitos nos vinte maiores municípios de Minas Gerais[6]
Fonte: https://covid19br.wcota.me/#graficos
Em boa medida, os números apresentados no início deste ano no Estado acompanham uma tendência de alta observada no país. Um dos fatores que explica a alta dos números está relacionado ao comportamento de cidadãs e cidadãos que ignoraram as recomendações científicas de manter isolamento social e usos de máscaras. Imagens de brasileiros comemorando a virada do ano correram o mundo e causaram perplexidade e espanto. Contudo, muito do modo de agir percebido na população é reflexo de políticas públicas no nível federal e estadual pouco assertivas e claras na indicação à sociedade de quais os riscos do vírus, a evolução dos dados acerca de contágios e óbitos e quais os procedimentos adequados para se proteger do Novo Coronavírus.
Dentro das políticas públicas afrouxadas produzidas está a flexibilização das medidas de isolamento social em vários Estados e cidades do país.
Além disso, outros fatores relacionados à adoção ou não de políticas públicas de enfrentamento da pandemia em MG podem ser acionados para explicar o atual cenário observado no Estado.
Em artigos anteriores, apontamos uma série de pontos que dificultava o enfrentamento da doença no Estado. Retomemos alguns deles. O primeiro, é o alinhamento do governador Romeu Zema (NOVO) ao presidente Bolsonaro e seu desalinhamento em relação ao prefeito de Belo Horizonte. Alexandre Kalil (PSD). Zema se mantém, como Bolsonaro, um contumaz sabotador das medidas de enfrentamento à pandemia com sua postura negacionista em relação à ciência[7], enquanto Kalil vem adotando medidas de restrição de circulação de pessoas e de fechamento do comércio sempre que os indicadores sanitários alcançam números críticos. O resultado destes desencontros é a falta de uma ação coordenada para o enfrentamento da pandemia no Estado.
Um segundo ponto a destacar são ações equivocadas do governo de MG em relação à pandemia. Destacamos a subnotificação de casos, a ineficiente política de testagem no Estado, a montagem de um hospital de campanha que não recebeu sequer um paciente. Por fim, temos a ineficiência comunicativa e operacional do programa "Minas Consciente". Seu foco é a atividade econômica e não a adoção de medidas sanitárias que possibilitem o controle da doença no Estado.
Assim sendo, o governo de MG não veiculou nenhuma peça publicitária voltada para a população do Estado recomendando o distanciamento social, adoção de medidas de higiene e uso de máscaras em público. O foco recai nas atividades econômicas.
Finalmente, temos a ineficiência da administração de Zema em não usar o aparato existente em Minas Gerais para atender a população, inclusive na produção de vacinas para a Covid-19. Lembrando da sofrível entrevista pré-eleição em que ele admite não saber o que é a Fundação Ezequiel Dias (FUNED), o governo de Zema não somente isolou uma instituição que trabalha há 113 com medicamentos incluindo produção de vacinas, mas propositalmente destruiu relações comerciais e diplomáticas durante negociação para aquisição direta de vacinas para o Estado[8].
Em relação à vacinação, o Estado de MG não criou nenhum plano específico e vai seguir o Plano estipulado pelo governo federal evidenciando mais uma vez seu alinhamento ao governo Bolsonaro[9]. A imunização no Estado começou no dia 19 de janeiro. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde de MG (SES-MG) relativos ao dia 17 de fevereiro foram distribuídas 1.033.023 doses de vacinas para os municípios mineiros e aplicadas 396.116 primeiras doses e 120.887 segundas doses[10]. O Estado já recebeu três remessas de vacinas do governo federal, totalizando 855.888 vacinas (Quadro 1).
Quadro 1. Quantidade de vacinas recebidas pelo governo de MG.
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). Dados disponíveis em:https://vacinaminas.mg.gov.br/ >. Acessado em 17 de fevereiro 2021.
*Expectativa da cobertura de indivíduos vacinados.
O Plano Nacional de Imunização (PNI) brasileiro é reconhecido internacionalmente pela sua capacidade de cobertura e alcance - considerando o tamanho continental do país. Contudo, em função da descoordenação da política de imunização nacional contra o coronavírus, caracterizada pela incerteza em relação à aquisição de vacinas disponíveis no mercado e da sua distribuição equitativa para os entes federados, vários governadores de Estado e prefeitos criaram seus próprios planos de vacinação e passaram a negociar com laboratórios e farmacêuticas a aquisição dos imunizantes. Ao se alinhar a Bolsonaro, o Estado de MG fica refém da incerteza e sem saber ao certo quando teremos vacinas em quantidade suficiente para imunizar um percentual suficiente de pessoas para se criar um cordão sanitário capaz de conter a epidemia.
Enquanto isso, o prefeito da capital luta contra associações comerciais para tentar diminuir aberturas de espaços públicos, especificamente, comércio não-essencial, na cidade com o maior número de bares e botecos per capita do país. O exemplo de Manaus parece não sensibilizar os comerciantes da capital mineira e muito menos o governador do Estado. O apoio do governo do Estado seria chave para manter uma das maiores cidades do país organizada no sentido de contornar a pandemia, mas o empresário-governador parece não saber que existe a Fundação João Pinheiro também, onde poderia ter algumas aulas sobre administração pública. Diante do cenário aqui exposto a conta chegou e é cara. Ela é paga com a vida de cidadãs e cidadãos mineiros.
*Este artigo faz parte de SANTANA, Luciana (org). V Série especial ABCP: Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil. Site Associação Brasileira de Ciência Política: 08 a 12 de fevereiro de 2021.
[1] Dados de 17 de fevereiro de 2021. Fonte: https://covid19br.wcota.me/
[2] Dados de 17 de fevereiro de 2021. Fonte: https://covid19br.wcota.me/
[3] Acesso em 29 de janeiro de 2021. https://covid19br.wcota.me/
[4] Acesso em 29 de janeiro de 2021. https://covid19br.wcota.me/
[5] Acesso em 29 de janeiro de 2021. https://covid19br.wcota.me/
[6] Acesso em 29 de janeiro de 2021. https://covid19br.wcota.me/
[7] Em estudo realizado pelo Lowy Institute de Sydney que avalia a forma como países enfrentaram a pandemia de COVID-19 o Brasil apresentou o pior desempenho. Foram avaliados 98 países. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2021/01/28/interna_nacional,1233008/brasil-e-o-pior-do-mundo-no-combate-a-covid-aponta-estudo.shtml. Acessado em 28 jan. 2021.
[8]Acerca da aquisição de vacinas pelo governo de MG a matéria disponível no link é ilustrativa da incompetência do atual governo.
[9]Disponível em https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/08/vacina-em-tom-alinhado-ao-governo-zema-diz-que-vacinacao-deve-ser-federal.htm . Acessado em 28 jan. 2021
[10] No link https://vacinaminas.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/01/distribuicao-doses.pdf disponibilizado pela SES-MG é possível verificar o quantitativo de doses destinadas para cada Regional de Saúde no Estado. Acessado em 28 jan. 2021.
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