Marcos Jorge, Advogado, Coordenador Jurídico do escritório Wilton Gomes Advogados
Após 16 "reformas" - ou "minirreformas" - aprovadas às pressas pelo Congresso Nacional no prazo antecedente de um ano das eleições, testemunhamos o fracasso da tramitação da "minirreforma" eleitoral que visava alterar as regras do jogo para as eleições de 2024.
Aprovados pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 4438/2023 e o Projeto de Lei Complementar nº 192/2023 não prosperaram no Senado Federal. E pode-se dizer que isso nem se deu por maiores discordâncias conceituais ou ideológicas, mas sim pela exiguidade de prazo para tramitação e aprovação da proposta.
Durante o período de sua tramitação nas duas casas legislativas muito se veiculou que as propostas de alteração das leis eleitorais não avançaram devido a um embate entre os presidentes da Câmara, deputado Arthur Lira, e do Senado, senador Rodrigo Pacheco.
Neste contexto, foi notória a liderança e força política do presidente da Câmara dos Deputados em tramitar no prazo de uma semana os textos que alteravam a legislação eleitoral, obtendo o resultado de 366 votos favoráveis, 60 contrários e 2 abstenções ao Projeto de Lei nº 4438/2023, e 384 votos favoráveis, 51 contrários e 2 abstenções na apreciação do Projeto de Lei Complementar nº 192/2023. Por outro lado, o presidente do Senado, antes mesmo de receber oficialmente os projetos observou que não seria produzida nenhuma legislação às pressas e que caberia ao relator do projeto do novo Código Eleitoral, que tramita na Casa desde setembro de 2021, e aos demais membros da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, determinar como se daria a tramitação das propostas da "minirreforma" eleitoral. Mesmo assim, os projetos minguaram sem ao menos a designação de um relator e a apresentação de qualquer parecer na CCJC.
Contudo, no campo da ciência do direito, essas questões de bastidores apresentam-se como um indiferente jurídico, pois em concreto, enquanto as propostas não são aprovadas, nada alteram o objeto de estudo específico do direito eleitoral. A atenção dos advogados, membros do Ministério Público Eleitoral e da Justiça Eleitoral, e demais intérpretes do direito, estava voltada objetivamente em saber quais normas estariam vigentes e já possuiriam a capacidade de serem aplicadas, e qual a medida de justiça, e constitucionalidade, de cada uma dessas normas frente ao ordenamento jurídico vigente.
As mudanças que ambas as propostas legislativas traziam eram significativas para o processo eleitoral, principalmente para o pleito de 2024. Em suma, tratava-se de alterações na propaganda, no calendário eleitoral com relação ao prazo para realização de convenções, registros e julgamentos de candidaturas, maior detalhamento das federações partidária, caracterização da conduta fraudulenta nas candidaturas femininas e o estabelecimento de crime de violência política contra a mulher, também havia a previsão de simplificação da prestação de contas em casos da ausência de movimentação financeira, previsão de transações financeiras por PIX, e também a alteração do marco inicial da contagem de prazos de inelegibilidade.
Outro projeto que não prosperou no Congresso Nacional para agregar o pacote da "minirreforma" para 2024, foi a Proposta de Emenda à Constituição nº 18/2021 - PEC da Anistia, que visa anistiar os partidos políticos de multas por falha na prestação de contas, e pela responsabilidade do não cumprimento de cotas de gênero e raça.
Como militantes do direito eleitoral, não temos aqui qualquer pretensão de criticar ou enaltecer qualquer das proposições legislativas não votadas em tempo hábil para vigorar já para o pleito de 2024, até mesmo porque os textos continuam em tramitação, e podem sofrer alterações e serem validados para a eleição de 2026. É inegável que todo ramo do direito precisa acompanhar a evolução da sociedade, contudo, com a retomada democrática do Brasil, a legislação eleitoral não se estabilizou, criando-se um verdadeiro ciclo vicioso de insegurança jurídica, onde a cada eleição novas regras são criadas, novas decisões são proferidas pela Justiça Eleitoral, e novas mudanças passam a ser discutidas já com vistas ao próximo pleito.
Talvez, o pano de fundo dessa situação seja o fato de que o direito eleitoral é um dos únicos ramos do direito em que os criadores das regras e os participantes do processo eleitoral se confundem - o que juridicamente não é ilegal ou imoral. Afinal não são e nunca foram os deputados e senadores os vilões do jogo, mas sim, a esperança da democracia representativa - o que impõe a responsabilidade do estabelecimento de um regramento eleitoral minimamente codificado, sistêmico e mais estável, até mesmo para que nossos representantes passem definitivamente a uma próxima pauta de reformas necessárias ao País, como a urgente e substancial reforma do modelo de Administração Pública. Depositamos nossa esperança que isso ocorra com a proposta do Código Eleitoral em tramitação no Congresso Nacional - esperança essa, não da próxima eleição, mas de todas as próximas.
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