Edson Lopes, Diretor Geral Flixbus Brasil
Salime Saade, Head Jurídico Flixbus Brasil
A constitucionalidade do regime de autorizações no serviço regular do transporte coletivo interestadual rodoviário de passageiros volta à pauta de julgamento do STF nessa quarta-feira, dia 15 de março
Após diversas entradas e súbitos desaparecimentos da pauta do STF, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade - ADIs nº 5549 e 6270, mais uma vez, retornam à agenda da Corte. Ambas as ações alegam suposta inconstitucionalidade da Lei nº 12.996/2014, por meio da qual se deu a escolha legislativa pela aplicação do regime de autorizações ao serviço regular do transporte coletivo interestadual rodoviário de passageiros - TRIP, regulado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres.
Antes de entramos no mérito dos benefícios da outorga via autorização na prestação de um serviço que não foi licitado desde a promulgação da Constituição de 1988, ou mesmo da instabilidade de uma possível declaração de inconstitucionalidade, é interessantíssimo analisar que a mesma Carta Magna que prevê a obrigatoriedade de realização de licitação prévia nos regimes de concessão e permissão - alternativos ao de autorização - prevê, de forma bastante inequívoca, o rol de escolha do legislador no art. 21, XII, "e": "Compete à União [...] explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão [...] os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros".
Apesar da clara disposição constitucional acerca da possibilidade de outorga do TRIP por meio de autorizações, as ADIs nº 5549 e 6270 compõem, em verdade, uma série de respostas institucionais ao movimento de abertura do mercado rodoviário interestadual, estimuladas pela área mais tradicional do setor, movimento natural em um país de base democrática que acabou por aderir ao sistema de representação de interesses.
Essas respostas institucionais surgem a partir da escolha legislativa pelas autorizações em 2014, a qual não estava propriamente consolidada entre os demais atores do setor, sejam políticos, governamentais ou particulares. Apesar disso, praticamente nove anos após a sanção da Lei nº 12.996/2014, o setor de TRIP aparenta estar no rumo de uma convergência quanto ao tema. As investidas contra o sistema de autorizações foram diversas e difusas, entretanto, em especial, três andamentos no último ano indicam esse suposto momento de convergência.
Além das ADIs, distribuídas em 2016 e 2019, no ano de 2020, o PL 3819 foi proposto em uma tentativa de imposição de diversas barreiras de entrada no mercado, as quais não encontraram amparo no Congresso quando da aprovação da norma que se tornou a Lei nº 14.298/2022, que apesar de incluir novos requisitos para a outorga de autorizações, manteve a essência do sistema de autorizações.
O segundo acontecimento é o avançado andamento do novo marco regulatório do TRIP junto à ANTT, que vem sendo discutido desde 2020 e, após diversas redações e contribuições, está em fase de revisão final pela Procuradoria do órgão e contém texto no rumo da democratização do acesso ao transporte rodoviário com foco na qualidade da prestação do serviço e da segurança do usuário.
Por fim, o andamento mais recente ocorreu há um mês, quando do julgamento do processo TC 033.359/2020-2, em trâmite sob sigilo no TCU em decorrência de uma denúncia contra a ANTT. No bojo do referido processo se manteve vigente, entre março de 2021 e fevereiro de 2023, medida cautelar que proibiu a Agência de outorgar novos mercados de TRIP. Apesar da longa demora para votação, o acórdão proferido pela Corte de Contas suspendeu a cautelar e recomendou pontos pertinentes ao desenvolvimento do setor e atuação da Agência.
Mantida, portanto, a escolha legislativa pelo regime de autorizações, estando a regulação do setor avançada e em conformidade com os processos de transparência e participação popular e, por fim, desimpedida a Agência para o exercício de suas competências, a declaração de constitucionalidade do STF sobre o tema se torna a cereja de legitimidade no longo processo de abertura de mercado e democratização do TRIP.
São inegáveis os benefícios reais e potenciais do regime de autorizações no sistema de TRIP. Apenas em 2020, primeiro ano em que o mercado esteve aberto após a transição, apesar da pandemia, foram outorgadas 6.753 novas conexões entre cidades, com a inclusão de 128 municípios que não eram atendidos pelo TRIP. Calcula-se que 2,5 milhões de pessoas passaram a ser atendidas e mais de 107 milhões de pessoas puderam ter acesso a mais uma opção de transporte rodoviário interestadual de passageiros. A entrada de novos players também está relacionada à diminuição dos preços de passagens. Segundo pesquisa realizada pela plataforma internacional CheckMyBus, divulgada em abril de 2022, o preço das passagens de ônibus no Brasil diminuiu em até 60% entre 2019 e 2021, mesmo período em que houve aumento de empresas operando no setor.
Além disso, é importante chamar atenção à dimensão da instabilidade e insegurança jurídica, que devem extrapolar o setor rodoviário, caso o STF decida pela inconstitucionalidade do regime de autorização apesar do art. 21, XII, "e", da Constituição. Esse cenário não apenas deixa o TRIP em um limbo regulatório, mas também abre uma enorme janela para questionamento das demais atividades cuja forma de outorga comporta as autorizações, sendo que dentre os ilustres, encontra-se o polêmico setor de telecomunicações.
Este é, portanto, o momento é o ideal para que o STF remova esse último fantasma da licitação prévia do TRIP para que o setor possa, finalmente, permitir a entrada de novos atores e propiciar o aumento do acesso ao transporte rodoviário interestadual de passageiros com melhorias significativas na prestação dos serviços.
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