Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

A (urgente) Agenda da Gestão e Inovação no Brasil

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Por REDAÇÃO

Pedro Cavalcante, Doutor em Ciência Política (UnB), Gestor Governamental lotado no Ipea e Professor do mestrado e doutorado em Administração Pública no IDP e Enap

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Estudos contemporâneos vêm contribuindo para qualificar as discussões sobre as trajetórias[1] e os atuais desafios[2] da administração pública brasileira. O debate tem caminhado para o relativo consenso acerca da inevitável associação entre as agendas da gestão e inovação[3]. Outra convergência é a superação de macro reformas administrativas, geralmente ineficazes e com altos custos transacionais, pela opção por estratégias de mudanças incrementais e graduais para solução de problemas específicos. Nesse contexto, a poucos dias do início de uma nova Presidência da República, vale refletir sobre cinco questões que merecem urgente atenção:

  1. Necessidade de um diagnóstico sistemático e atualizado do funcionalismo: com a interrupção de concursos e contínuo decréscimo de pessoal desde 2018, o número de servidores no Brasil se mantém bem abaixo da média da OCDE, embora esse grupo de países tende a possuir problemas e demandas sociais menos complexas. Ademais, é fundamental a valorização do funcionário público via reposição salarial, considerando os efeitos da reforma da previdência, da inflação crescente e do congelamento remuneratório nesse período, para evitar desmotivação e evasão de servidores, sobretudo, no Executivo que, em média, recebem salários inferiores aos demais Poderes[4];
  2. A política de transformação digital como panaceia de todos os gargalos da administração pública: obviamente, trata-se de tendência irreversível de incorporação de tecnologias na modernização de processos e serviços em benefício dos cidadãos. Todavia, a política de 'governo como plataforma' precisa de monitoramento perene de seus resultados e impactos, haja vista os seus riscos, em especial de exclusão digital de parte da população no acesso e na participação das políticas públicas. Um exemplo notório é o premiado aplicativo INSS Digital que facilitou agendamentos, mas, ao mesmo tempo, gerou aumento de filas e atrasos aos beneficiários que sofrem com a crescente redução do quadro funcional do órgão;
  3. Discussão acerca do teletrabalho integral/híbrido e de desempenho no serviço público: tendo em vista que a nova normativa do Programa de Gestão e Desempenho - PGD[5], publicada no último dia 13 de dezembro, introduziu questionamentos acerca dos avanços em termos de gestão orientada a resultados obtidos durante a pandemia. Com efeito, torna-se imprescindível uma avaliação efetiva do programa e uma reflexão aberta sobre seu aprimoramento com vistas ao equilíbrio entre flexibilidade no trabalho e mais transparência e publicidade nos desempenhos dos servidores e das organizações. Essa é uma demanda legítima da sociedade, porém o debate tende a ser contaminado por estereótipos e preconceitos da opinião pública como também pela forte resistência corporativa;
  4. Retomada do diálogo e da colaboração intra e intergovernamental como diretrizes da gestão pública: após anos de opção deliberada por conflitos, isolamento, lacunas e sobreposições nas funções do Estado. Em um arranjo institucional caracterizado pela democracia, federalismo tripartite e crescente engajamento de atores não estatais, o tripé da coordenação, comprometimento e cooperação é cada vez mais essencial ao sucesso das políticas públicas[6]. Assim, a revitalização da agenda de participação social e accountability surge como central, por meio do fortalecimento dos conselhos e conferências, iniciativas de inovação aberta, bem como o uso de novos instrumentos de e-democracy;
  5. A contínua promoção da cultura de inovação e da construção de capacidades empreendedoras na administração pública brasileira. Nessa direção, são necessários esforços complementares de proliferação de observatórios e disseminação de inovações em processos e serviços, capacitação de agentes públicos, produção de policy papers (recomendações técnicas e científicas de políticas públicas), assim como estratégias de emulação de boas práticas, baseadas em aprendizado e adaptação nas organizações. Cabe destaque aos papéis de liderança exercidos pelos laboratórios de inovação e escolas de governo, como a Enap.

Em suma, esses pontos de atenção não são exaustivos, porém são emergenciais diante das dinâmicas transformações e do recente desmantelamento que o Estado brasileiro vem passando nos anos recentes. Não custa frisar que o enfrentamento dos problemas atuais e dos desafios estruturais do país requer a superação do limitado mantra da economicidade e a priorização de outros valores também essenciais para a provisão de políticas públicas inovadoras, inclusivas e de qualidade. Nesse sentido, a proposta de criação de um ministério próprio para gestão e inovação é um sinal positivo para lidar com essa temática tão relevante, contudo, historicamente negligenciada na agenda governamental.

Notas

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[1] Cavalcante, Pedro & Santos, Mauro (Org.). (2020). Reformas do estado no Brasil: trajetórias, inovações e desafios. 1ed. Rio de Janeiro: Ipea. http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10364.

[2] Ver: https://www.estadao.com.br/politica/gestao-politica-e-sociedade/separar-o-urgente-do-importante-um-novo-ministerio-para-a-gestao-publica/.

[3] Cavalcante, P. Momento de Reconstruir Capacidades. Gv Executivo, 2022. https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/gvexecutivo/article/view/85749

[4] Ver: https://www.ipea.gov.br/atlasestado/

[5] Ver: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-sgp-seges/sedgg/me-n-89-de-13-de-dezembro-de-2022-451152923.

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[6] Banco Mundial. Relatório de Desenvolvimento Mundial 2017: Governança e a Lei, 2017. https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/25880/210950ovPT.pdf?sequence=15&isAllowed=y.

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