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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Afinal, quem criou o Pix?

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Por Redação

Lauro Gonzalez, Professor da FGV EAESP e Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV

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Adrian Cernev, Professor da FGV EAESP e Pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV

No ano passado já circulava nas redes sociais a ideia de que os bancos estariam se posicionando contra o presidente Bolsonaro devido às perdas de receita ocasionadas pela criação do Pix. Com as eleições ocorrendo dentro de poucas semanas, o assunto voltou à tona em versão turbinada. Em meio à escalada golpista, os acionistas e executivos dos principais bancos brasileiros assinaram carta de defesa da democracia e do processo eleitoral. Ainda que não houvesse menção a Bolsonaro ou a partidos políticos específicos, a carapuça serviu e os bancos voltaram ao centro do alvo bolsonarista.

Uma publicação do ministro Ciro Nogueira, no Twitter, atribui a Bolsonaro tanto a independência do Banco Central quanto a criação do Pix, que teria subtraído cerca de 40 bilhões de reais das receitas dos bancos, que então reagiram assinando a carta. Somente uma coletânea de artigos daria conta de explicar todos os erros disseminados pela publicação do ministro. Olhando somente para pretensa paternidade do Pix, vale alguns esclarecimentos, a começar pelo fato de que não se trata de uma ideia saída de uma única cabeça genial, o que provavelmente já excluiria Bolsonaro, mas de um processo relativamente longo e que salienta a importância do corpo técnico do Banco Central, principalmente seus funcionários de carreira.

O episódio, aliás, mostra muito bem como a existência de uma estrutura burocrática estável é fundamental para formular e implementar políticas públicas e arcabouço regulatório funcionais ao desenvolvimento do país. Embora a liderança de presidentes e diretores nomeados não possa ser negligenciada, o cronograma exigido para tirar do papel um sistema como o Pix envolve inúmeras fases, realização de pilotos, análise técnica dos resultados preliminares etc. Isso alarga o horizonte temporal necessário e torna imprescindível o papel dos agentes públicos concursados.

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Apesar de ter entrado em operação oficialmente em novembro de 2020, o Pix já era esperado há alguns anos pelos agentes de mercado. De fato, o histórico de intervenções e regulamentação do Banco Central no setor de pagamentos não é recente, sobretudo pela percepção de que havia amplo espaço para fomentar eficiência no setor. Em um cenário marcado pela adoção de inovações tecnológicas que deram os contornos das chamadas finanças digitais, havia uma pergunta incômoda sobre quantas camadas onerosas seriam necessárias para efetuar uma simples transferência ou pagamento.

Em meio a indagações como essa, um longo processo de aprimoramento que incluiu a criação do Pix se desenrolou. Uma mudança importante foi o fim do lock-in entre bandeiras e redes adquirentes em junho de 2010, que fazia com que os comerciantes tivessem diversas máquinas de cartão. Outro exemplo foi a regulamentação das Instituições e Arranjos de Pagamento em novembro de 2013, com a Lei 12865, considerada o marco legal das fintechs.

Para os estudiosos do tema essa lei foi um marco histórico por promover a abertura do mercado de pagamentos para organizações "de fora" do setor financeiro, após cerca de 200 anos de sistema bancário tradicional protegido. A partir do marco legal, empresas não-bancárias passaram a ofertar serviços de pagamentos para a população em geral, contribuindo para os esforços de inclusão financeira no país.

Entretanto, apesar de inovadora e essencial ao desenvolvimento do ecossistema de pagamentos, a Lei 12.685 não solucionava uma questão crucial para maior eficiência do sistema: a interoperabilidade entre todos os agentes, bancos e fintechs. Embora muitos participantes de mercado demandassem um sistema plenamente interoperável, não havia consenso sobre como o sistema de pagamentos instantâneos deveria ser estabelecido e gerenciado. Foi aí que técnicos do Banco Central buscaram uma solução inovadora e inusitada: gerir diretamente um novo sistema de pagamentos instantâneos, o qual foi denominado Pix.

Em suma, o objetivo primário do Pix era aprimorar a eficiência dos pagamentos para os cidadãos, na medida em que acrescentava a camada de interoperabilidade entre diferentes instituições. Isso afetava concretamente a vida dos usuários na medida em que reduzia os custos de transação de transferência de recursos, incluindo aquelas envolvendo contas mantidas em instituições de pagamento, comumente ligadas ao uso das "maquininhas de cartão".

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Em relação aos efeitos do Pix sobre o resultado dos bancos, levantamentos apontam perdas entre 2021 e 2020 de cerca de 1,5 bilhão de reais, número muito menor do que os 40 bilhões mencionados pelo ministro. Mesmo esses levantamentos mostrando perdas relativamente modestas, entretanto, não levam em consideração a possibilidade de os bancos realocarem tarifas de forma a manter receita e, mais importante, ignoram os efeitos positivos de médio e longo prazo que potencialmente o Pix pode trazer, como o aumento de pessoas bancarizadas e a ampliação das operações de crédito.

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