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Americanas e Adani: Os Erros Mais Comuns na Governança Corporativa

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Por Redação
Fonte: Arquivo pessoal.  

Ligia Maura Costa, Advogada, Professora titular na FGV EAESP, Coordenadora do FGVethics, Presidente da Comissão Permanente de Governança e Integridade da OAB-SP, Conselheira Independente

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Além da letra A no início do nome, Americanas e Adani são empresas de referência no Brasil e na Índia, onde seus acionistas majoritários perderam, recentemente, várias posições na lista Forbes de Bilionários, já que ambas se envolveram em acusações de graves erros de governança corporativa. A cartilha de gestão do ex-CEO Jack Welch[*], priorizando a maximização de valor aos acionistas, no modelo clássico de Milton Friedman**, vai frontalmente de encontro à sigla ESG, febre no mundo dos negócios de hoje, para a abreviação em inglês de ambiental, social e governança (ASG). O fracasso na governança corporativa será apenas um risco que se deve aceitar na busca de crescimento e aumento da lucratividade ou será que existe um padrão comum de erros de governança corporativa que levam ao fracasso?

O escândalo de R$ 43 bilhões da Americanas resulta de erro ou fraude contábil. O escândalo de US$17 bilhões da Adani, um pouco mais de R$ 80 bilhões, vem de acusações de manipulação e fraude contábil, lavagem de dinheiro em paraísos fiscais e corrupção.  As falhas na governança das duas empresas são reflexo de arraigadas deficiências corporativas na cultura delas. Para ajudar líderes empresariais a aprender com essas falhas e evitar repeti-las, examinamos alguns dos erros mais comuns por trás das falhas na governança corporativa.

Uma das razões mais óbvias para falhas na governança corporativa é um conselho de administração ineficiente. Há sinais de alerta que indicam quando os conselhos estão em perigo de falha de governança. Algumas das razões mais frequentes são as limitações nas habilidades dos conselheiros, a falta de experiência dos integrantes do conselho nas áreas de negócios da empresa e a impossibilidade dos diretores estatutários ou não estatutários de relatar indicações de um direcionamento que levará ao colapso. A falência da Enron, em 2001, é um bom um exemplo; mesmo que seja um exemplo alarmante. O conselho da Enron era composto por pessoas com claros conflitos de interesses e que simplesmente preferiram fechar os olhos, quando a empresa se envolveu em operações de alto risco contábil e com atividades não contabilizadas ou não divulgadas corretamente no balanço. Não se pode esquecer de acrescentar a alta remuneração dos executivos da Enron, comparada com cargos similares no mercado e a total falta de independência deles. No caso da Americanas e da Adani, a maior parte dos integrantes do conselho de administração é formado por pessoas que estudaram juntos ou cursaram as mesmas escolas, integrantes da mesma família dos acionistas majoritários, pessoas que jogam "tênis no mesmo clube" e, praticamente, concordam em tudo, sem mencionar, os conflitos de interesses. Um conselho de administração eficiente pode garantir que resultados financeiros não sejam alcançados a qualquer custo, apesar da cultura agressiva da Americanas e da Adani, marca registrada dos seus acionistas majoritários - Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira, Marcel Telles da Americanas; e, Gautam Adani do Grupo Adani.

Processos intrincados e complexos são necessários às vezes. Mas, o fato é que processos excessivamente complexos costumam estar na raiz do fracasso da governança. Os lapsos na comunicação estão ao lado da complexidade dos processos, para evitar que conselho de administração, fiscal, auditoria ou compliance seja devidamente informado. Uma má comunicação causa desastres, pois nada é pior do que uma empresa enfrentar, tardiamente, falhas contábeis ou questões de integridade. Até mesmo o mais eficiente conselho de administração ou fiscal, se mal informado, não perceberá a tempo o impacto potencial e as consequências reais dos problemas. O mesmo se dá em relação aos processos de auditoria, internos ou externos, quando se tenta minimizar, por culpa ou dolo, os sinais de alerta; ou, quando há falhas na comunicação dos riscos aos auditores, criando um verdadeiro teto de vidro na governança da empresa, para camuflar os sinais de alerta que deveriam ser enviados ao conselho de administração ou fiscal.

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Outro motivo para o fracasso na governança corporativa é a incapacidade do conselho de administração e da diretoria executiva de lidar com o risco, perpetuando problemas. Uma série de ambiciosas fusões e aquisições é um exemplo de risco ignorado, gerando rápido crescimento, mas que pode estar por trás do colapso da empresa. O grupo Adani cresceu meteoricamente através de sucessiva fusões e aquisições. Apenas entre 2020 e 2021, a Americanas fez uma série de fusões e aquisições: Supermercado Now, Bit Capital, Parati Crédito Financiamento e Investimento, Shipp, Grupo Uni.co, Nexoos, Hortifruti Natural da Terra e Skoob. Como se tem uma sensação de crescimento e, portanto, certo conforto, os problemas são ignorados. O colapso da AIG, depois do rápido crescimento nos anos 2000, é um exemplo claro da ilusão do risco. A empresa foi compelida a uma estratégia ambiciosa de aumentar os lucros através de fusões e aquisições, num setor altamente competitivo, o que a levou a apresentar contas enganosas para inflar os lucros.

A maximização dos lucros aos acionistas e altos executivos pode gerar uma cultura que facilita uma inclinação por condutas questionáveis, em matéria de integridade. A famosa regra do 20 70 10, de Jack Welch, que recompensa os 20% melhores, mantem e impulsiona 70% do pessoal e, elimina os 10% com performance abaixo do esperado, é uma cultura empresarial que ao final leva a comportamentos desonestos, antiéticos, ou corruptos mesmo. A sigla ESG, ou melhor o G da governança corporativa, é totalmente ignorada. Desastres na governança corporativa quase sempre podem ser evitados, mas, infelizmente, parece que líderes empresariais não aprendem jamais e que sempre haverá mais um desastre no horizonte.

Notas

[*] David Gelles. The man who broke capitalism: How jack welch gutted the heartland and crushed the soul of corporate America and how to undo his legacy. New York: Simon & Schuster, 2022.

[**] Milton Friedman. The social responsibility of business is to increase its profits. The New York Times Magazine, 13 de setembro de 1970. Disponível em http://websites.umich.edu/~thecore/doc/Friedman.pdf.

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