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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Blitz contra a vida.

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Por Redação

José Antonio G. de Pinho - Professor Titular Aposentado - Escola de Administração - UFBA; Pesquisador FGV-EAESP.

 

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Na sua profunda ignorância da realidade, o Presidente Jair Bolsonaro deve ter pensado, ao que tudo indica, que governar seria mais fácil do que se imagina. O modelo para se eleger combinava, por um lado, uma dose de críticas irascíveis ao PT e a um suposto socialismo e comunismo, alimentada pela vida em caserna, ainda que breve (15 anos) e críticas contundentes aos costumes que teriam se desenvolvido em 13 anos de governos petistas e que estariam corrompendo a sociedade. A isso se juntavam dois outros carros chefe: 1) combate à corrupção, o que era risível aos olhos mais perspicazes, por conta do telhado de vidro da casa política do seu clã, exibindo várias rachaduras. Depois de cevar o Ministro da Justiça e Segurança Pública, durante alguns meses, acabou descartando-o, por motivos bem conhecidos, expondo que, verdadeiramente, o combate à corrupção não compõe sua agenda; 2) a condução da Economia, entregue ao super Ministro Paulo "Ipiranga" Guedes. O Presidente parecia genuinamente acreditar que a Economia iria deslanchar e, então, não daria para ninguém segurar o seu projeto de reeleição, tornado público com meros seis meses de mandato. Não precisa ter muito faro econômico para perceber que o pífio resultado do primeiro ano da gestão guediana indicava que a recuperação da Economia, o take-off, seria muito mais dificultoso do que se supunha.

Mas como sempre pode ficar pior, veio a pandemia, tornando-se cada vez mais explícito o comportamento de negação da realidade do presidente, provocando a demissão de ministros da saúde afeitos à realidade e aos protocolos para o combate do vírus. Por sua vez, a questão ambiental, que vinha sendo conduzida de acordo com as ideias bolsonaristas e do ministro do contra ambiente (liberação tácita do garimpo e de ações de madeireiros e grileiros, desmatamentos,queimadas, invasão de terras indígenas, etc), ganha um impulso com a janela de oportunidade aberta com crise do Covid, com a aceleração da boiada, como tão à vontade exprimiu o ministro. O desmonte das instituições que lidam com a questão tem sido prática ativa de consecução desses objetivos nefastos.

O que se tem observado nesses últimos meses não surpreende, pois já estava presente no portfólio do ainda deputado federal e do candidato Bolsonaro, um absoluto desdém pela vida dentro da moldura de um profundo negacionismo, colocando-se sempre ao lado das forças obscurantistas da existência. Com a pandemia, nega a realidade até onde pode, fazendo vistas grossas e ouvidos moucos ao sofrimento e riscos de morte da população, tratando a questão sempre em tom de blague e chacota. Não fosse o compromisso e espírito dos governadores, prefeitos e profissionais da saúde, teria acontecido uma crise de proporções muito maiores. As atitudes levianas chocaram muitos brasileiros/as e a opinião pública mundial. Em poucas vezes, manifestou solidariedade e empatia com as vítimas e suas famílias. E quando o fez, foi de modo protocolar.

Na questão das queimadas na Amazônia e no Pantanal, adota postura semelhante, negando a vida e sua valorização em outros segmentos, como a vegetal e a animal. Quando vem a público para se manifestar sobre a destruição que acontece tergiversa, imputando a responsabilidade em inimigos imaginários, outro traço de sua personalidade. Aliás, não seria de se esperar outro comportamento, dada sua posição conhecida na área, aliás, reiterada no patético discurso na ONU.E agora, sem mostrar qualquer constrangimento, parte para a vida incrustada nos manguezais e restingas, na ordem biológica, desconhecendo completamente sua importância para o equilíbrio da natureza. Parece que sua divisa é: onde existe vida que se faça a morte.Como dito acima, isso não é o Bolsonaro Presidente, mas o Bolsonaro de longa tradição, que louva torturador, que propõe a liberação de armamento e munição para a população civil, e daí para milícias, sem qualquer empatia ou comiseração com o sofrimento alheio e com a natureza. Uma primeira manifestação oficial deste posicionamento encontra-se na exoneração do cargo do fiscal que o multou por pesca ilegal em janeiro de 2012. Esta exoneração se deu em março de 2019, ou seja, nem completados três meses de mandato. Se governar é fazer escolhas e eleger prioridades, este ato mostrou ser uma prioridade para o recém-empossado, provavelmente tenha ficado martelando em sua cabeça, o que parece residir na sua atávica repulsa à vida e a seu comportamento autoritário.

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O projeto maior, de fundo, do mandatário expressa-se na dissolução da sociedade e do Estado, a tal da candidatura antissistema, e tem sido alcançado até certo ponto, mas não na intensidade e velocidade imaginadas, por conta até certo ponto da resistência de instituições e da opinião pública. Sentindo a falta de apoio para ações mais agressivas de quebra da ordem democrática, o presidente refluiu, se aproximando do Centrão e de uma política populista, e da "velha política", seu habitat natural e sua zona de conforto, vide sua vida parlamentar na Câmara. Isto se insere em um projeto absurdamente precoce de reeleição e na blindagem sua e do seu clã,o que tem sido feito através de ações em instituições de controle. Se o futuro é de difícil projeção, ainda que o mais próximo, o presente salta aos olhos, o segundo país em números de mortes do Covid-19 e o solo esturricado com as queimadas e o desmatamento, nunca vistas nestas dimensões, realidade sistematicamente negada e ignorada.

 

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