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Bolsonarismo, bolsonarite, bolsonarose: autoritarismo no Brasil de 1900 até ontem

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Por REDAÇÃO

Dalson Figueiredo, Professor do Departamento de Ciência Política da UFPE, Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford - 2021/2022. E-mail: dalson.figueiredo@ufpe.br

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Romero Maia, Gestor de Pesquisas do IBGE e Colaborador do Grupo de Métodos de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. E-mail: romeromaia@gmail.com

 O sufixo "ismo" é utilizado de várias formas. Na designação de religiões descreve as diferenças entre judaísmo, cristianismo e islamismo. Como modos de produção, aponta as disparidades entre feudalismo, capitalismo e comunismo. Há também as orientações político-ideológicas em tese conflitantes, a exemplo do liberalismo, nacionalismo e fascismo. Outro uso diz respeito à nomeação de doenças, como astigmatismo, que é a deformação na curvatura da córnea; ou reumatismo, que é uma terminologia genérica para uma série de enfermidades que acometem músculos, cartilagens e articulações. Ontem, assistimos a uma expressão ambivalente, o Bolsonarismo, que materializou o adoecimento da política.

Os atos terroristas contra prédios públicos e alguns membros das forças de segurança em 8 de janeiro de 2023 entram para a História como marco da ascensão autoritária da nova direita, como uma evolução da politicopatologia que enfraquece a democracia desde as "jornadas de junho" de 2013.

Durante a pandemia da Covid-19, o negacionismo não foi arrefecido nem com o acúmulo de milhares de mortes. Essa postura política anunciava o agravamento do bolsonarismo para  um quadro que vamos chamar de bolsonarite, a fase aguda do processo inflamatório da democracia, com perda do contato com a realidade. Ontem, esse processo de corrosão institucional  e também do caráter, como ensina o prof. Richard Sennett (MIT), evoluiu para um estágio mais agressivo de sabotagem e destruição. Continuando o paralelismo com a saúde de um paciente, vamos denominar aqui de bolsonarose, que seria a fase infecciosa e mais severa da mazela, na qual se instala a necropolítica.

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Essa situação representa a fase terminal. Tanto pelo risco de contaminação de outros grupos que podem aderir à radicalização terrorista, como pelo fim do ciclo da doença que pode levar a termo o país enfermo. Isso significa alto risco de guerra civil e ditadura, a morte da democracia. Assim, é desejável que profissionais da imprensa, gestores governamentais e representantes políticos adotem uma nova nomenclatura para se referirem a bolsonaristas: terroristas de direita. De posse desse diagnóstico, o tratamento pode combinar vários remédios conhecidos pela Ciência Política, entre eles:

  1. Fortalecimento das instituições que compõem o Estado Democrático de Direito;
  2. Punição exemplar dos financiadores e executores dos crimes;
  3. Ressarcimento ao erário nacional pelos danos ao patrimônio público, muitos deles irreparáveis;
  4. Responsabilização civil e penal das autoridades que omissiva ou comissivamente contribuíram para o desfecho de terror;
  5. Criminalização de qualquer manifestação contra a Democracia, sendo considerada equivalente a apologia a atos terroristas.

Além desses cuidados iniciais para preservar a democracia, devemos investigar também as causas da moléstia, o que os profissionais da saúde chamam de etiologia da doença. Para isso, é relevante conhecer a história clínica do caso em questão. O Gráfico 1 ilustra a variação do nível de saúde democrática do paciente Brasil entre 1900 e 2021, conforme estimativas do Instituto V-Dem 

Gráfico 1 - Democracia no Brasil (1900 - 2021)

Como pode ser observado, o primeiro grande abalo no nível de democracia ocorreu em 1930. O então presidente, Washington Luís, indicou Júlio Prestes como seu sucessor. Este acabou sendo eleito em um pleito marcado por fortes evidências de fraudes eleitorais. A chapa formada por Getúlio Vargas e João Pessoa, insatisfeita com o resultado, mobilizou parte dos militares, principalmente aqueles de baixa patente como tenentes e sargentos. O resultado foi a deposição de Washington Luís e a entrada de Vargas com auxílio de uma junta provisória. Após sete anos, Vargas dá um golpe de Estado e permanece como presidente até 1945, ilustrado pelo fosso no gráfico após a Revolução de 1930.

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Começa a Quarta República, em 1946.  Durante 21 anos, tivemos quatro eleições presidenciais: em 1945, ganha Dutra; em  1950, Vargas vence;  em 1955, Juscelino; e em 1960, Jânio. O golpe militar de 1964 interrompeu esse período de alternância do poder  político, e durou até 1985, quando começou a reabertura e retorno à democracia, consagrada com a promulgação da Constituição Federal  de 1988.

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O nível de democracia sobe novamente e atinge um longo platô de aproximadamente 25 anos. Até que, ontem, a invasão das sedes dos três poderes da República, com direito a escolta policial, aprofunda a tendência de queda da democracia no  Brasil. Tendência que, segundo os dados ilustrados acima, foi iniciada em 2016 com o afastamento da presidente Dilma Rousseff. O rodízio de poder legitimado pelo processo democrático foi atacado diretamente. Por isso que não se pode relativizar ou confundir com quaisquer outras manifestações populares nas quais houve confrontos com as forças de segurança do Estado. Ontem, os manifastantes tinham o objetivo declarado de incitar as forças de segurança para uma intervenção militar, com  fechamento do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal, usando estratégias de terrorismo político.

O ímpeto meramente ideológico, incendiário e até fecal de aniquilamento da ordem constitucional veio da sociedade civil de fora do aparato estatal, mas também de dentro. Não por acaso já se identificou autoridades políticas e militares apoiando in loco a ação terrorista, como vereador, um policial militar e até um capitão da Marinha Brasileira. Por volta das 21h, depois de já controlada a bolsonarose, o ex-presidente que dá nome à politicopatologia manifesta-se a partir da casa de um amigo nos Estados Unidos por meio de uma rede social estrangeira. O ponto mais expressivo foi fazer uma falsa analogia com confrontos entre manifestantes e forças policiais em anos passados, visando claramente confundir a opinião pública e relativizar a gravidade do que estava diante dos olhos do mundo. Nada de novo no bolsonarismo. Quem negou a Covid-19, apelidando-a de gripezinha, é capaz de negar a realidade de qualquer coisa.

Resta entendermos que, apesar de danos irreversíveis ao patrimônio tombado do Distrito Federal de um país e de símbolos máximos do regime democrático vigente, a bolsonarose não matou o paciente. A série histórica dos níveis de democracia mostra que ainda não estamos muito longe no tempo da nossa melhor performance em vitalidade institucional. E que, apesar da grave intercorrência, o quadro mais geral para boa evolução da saúde foi assegurado por 60.345.999 de brasileiros que, felizmente, estão imunes a essa doença.

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