André de Almeida, CEO do Almeida Advogados
Nas últimas semanas, temos assistido a uma verdadeira onda de disparos verbais criticando a situação a taxa de juros no Brasil e a atuação do Banco Central. O presidente da República afirma que a autonomia da instituição é "bobagem", cada ministro adota um posicionamento diferente e os políticos radicais de ambos os lados não perdem tempo subir o tom, raramente com argumentos racionais.
Com efeito, até o momento não restou demonstrada a existência de qualquer método por trás desta confusão toda, na qual cada um defende sua limitada agenda, com evidentes efeitos adversos na economia. A única certeza é que o excesso de marola não está beneficiando ninguém e, como consequência lógica, o mercado e a população sentem-se tão desprotegidos como cegos em tiroteio.
Em nosso entendimento, os problemas que enfrentamos tem duas causas distintas, mas interligadas.
Em primeiro, a ausência de práticas políticas adaptadas à nova realidade normativa de autonomia do BACEN, introduzida pela Lei Complementar 179/21, que objetivou garantir a liberdade daquela instituição, classificada como autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação e subordinação hierárquica a qualquer ministério, permitindo a tomada de decisões acerca da política monetária sem pressões ou interferências do governo, por meio de mandatos de quatro anos para presidente e diretores em ciclos não coincidentes com a gestão do presidente da República.
Objetiva-se atingir, ao menos em princípio, limitando-se as intervenções políticas, o melhor controle da inflação e a maior estabilidade monetária, calibrando-se as taxas de juros para responder às flutuações do nível de atividade econômica, ao mesmo tempo que se garante maior estabilidade e eficiência do sistema financeiro.
Tal estado de coisas evidentemente antagoniza com o nosso tradicionalmente problemático sistema de financiamento do Estado e dos gastos sociais, resultado de um longo histórico de governos populistas e gastadores, com pouca disciplina fiscal, que resistem em aceitar essa evolução institucional (exatamente porque contraria seus interesses políticos mais imediatos), já que, de uma hora para outra, se sentem de mãos atadas ao constatar sua menor capacidade de interferência na condução da política monetária, em particular no que se refere à determinação da taxa Selic, hoje em inaceitáveis 13,75% ao ano.
A segunda questão refere-se a perene problemática dos juros extremamente altos no Brasil (a qual, por sua complexidade, merece discussão em separado) concomitantemente a um endividamento desproporcional decorrente do excesso de crédito tomado quando as taxas estavam artificialmente baixas (cerca de 2% ao ano) durante o ano de 2020, em decorrência da necessidade então premente de estimular a atividade econômica em virtude da pandemia.
De forma até mesmo intuitiva, dispensando conhecimentos econômicos mais graduados, podemos prever as dificuldades advindas de uma alteração tão drástica das taxas de juros, de maneira que testemunhamos hoje uma situação amplamente alardeada pela imprensa em que cerca de 70% das famílias brasileiras encontram-se endividadas e que testemunhamos, no âmbito empresarial, uma grave onda de recuperações judiciais que podem levar a consequências sistêmicas preocupantes.
O fato é que, independentemente do modelo adotado para o exercício da política monetária e controle da inflação, esta situação de endividamento desproporcional requer ações efetivas, sendo que, dentro deste contexto algumas iniciativas já foram implementadas, dentre as quais: (i) a lei 14.181/21, conhecida como Lei do Superendividamento que introduziu alterações substanciais no Código de Defesa do Consumidor, estimulando transparência na tomada de crédito, a educação financeira e a facilitação no processo de renegociação de dívidas e; (ii) o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado em 2020 para ajudar empresas afetadas durante a epidemia e que, por meio da Medida Provisória n º 1.139/ 2022, que teve o prazo e suas operações de financiamento estendidos para até 72 meses (antes eram 48).
Entretanto, diante da gravidade da situação, entendemos que as medidas adotadas são insuficientes para auxiliar aqueles que pretendem reequilibrar os financiamentos e recuperar a capacidade de investimento e que novos projetos, em especial por não serem mais abrangentes, de forma a incluir uma gama maior de atores da atividade empresarial.
Situações críticas como a que atravessamos atualmente, sob o pano de fundo de escândalos corporativos locais e incertezas acerca do sistema bancário internacional requerem, necessariamente, medidas mais audaciosas, a exemplo do que foi feito por Franklin D. Roosevelt ao adotar as medidas econômicas conhecidas como New Deal diante da crise econômica enfrentada na década de 1930.
A economia mundial ainda tenta se adaptar aos efeitos deletérios e disruptivos dos eventos dos últimos anos e se aguardam iniciativas conjuntas para fornecer oxigênio àqueles que caíram na armadilha dos juros altos. A retomada da economia depende de ações firmes e específica neste sentido.
Em verdade, o mínimo que se espera é que as autoridades, ao invés de se limitarem a atacar o desenho institucional da política monetária, apresentem propostas reais, trabalhado em conjunto e dentro do âmbito de suas responsabilidades para mitigar os efeitos nefastos do quadro que estamos presenciando. Que trabalhem em conjunto, cada um no seu quadrado, mas cientes de que o endividamento tóxico derivado da brusca e imprevisível alteração nas taxas de juros é o elemento determinante causador de instabilidade no atual cenário econômico.
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