Rodrigo dos Reis, Bacharel em geografia pela UFRGS, acadêmico em Ciências Jurídicas e Sociais pela mesma universidade e atualmente Oficial do MPRS
A companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) foi vendida em lance único, na manhã desta terça-feira (20/12), por 4,1 bilhões de reais para o Consórcio Aegea, a qual é empresa líder no setor privado de saneamento básico no Brasil, sendo que foi a única empresa participante do processo.
A privatização da companhia gaúcha foi anunciada ainda no ano passado pelo governador Eduardo Leite, ao argumento de que a empresa não conseguiria cumprir com as metas estipuladas pelo novo marco regulatório do saneamento básico, especialmente no que diz respeito com a universalização no abastecimento e tratamento de esgoto.
Ocorre que o processo de venda da empresa foi marcado por uma série de imbróglios, os quais chamam tanta atenção quanto o preço pífio pelo qual foi entregue à iniciativa privada.
O primeiro mal-entendido foi no ano passado e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), em que a oposição questionou a constitucionalidade da proposta de emenda à constituição (PEC 280/2019), que retirou da Constituição do Estado a necessidade de plebiscito às privatizações de empresas públicas, como é o caso da Corsan, do Banrisul e da Procergs.
A segunda confusão ocorreu em meados deste mês de dezembro, quando o caso transformou-se em objeto de embate acirrado na Justiça, entre o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e Serviços de Esgoto (Sindiágua/RS) e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Nos autos da ação movida pela entidade sindical, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) suspendeu a venda da companhia. A PGE interpôs recurso contra a decisão, sendo a justiça deu sinal verde à continuidade do processo de privatização.
A disputa jurídica não parou por aí. Irresignado o Sindiágua/RS foi ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), o qual suspendeu a venda da Corsan por 90 dias, mas o Tribunal Superior do Trabalho (TST) restabeleceu a comercialização, autorizando a PGE a prosseguir com o leilão.
O caso ainda foi parar no Tribunal de Contas do Estado (TCE), onde a conselheira Daniela Zago concordou com os argumentos do Ministério Público de Contas (MPC) e concedeu cautelar impedindo a assinatura do contrato após a venda das ações da Companhia.
Tanto não bastasse, na manhã desta quarta-feira, o povo gaúcho acordou estarrecido. Desta vez foi a vez do Ministério Público do Estado (MPRS) protagonizar a confusão em torno do leilão da Companhia.
O órgão não foi autor de nenhuma medida judicial e tampouco instaurou procedimento investigatório para apurar eventual irregularidade no processo de venda do patrimônio publico.
É que o ex-procurador-geral de Justiça Fabiano Dallazen, o qual foi reconduzido ao cargo pelo governador Eduardo Leite e que estava prestes a ser indicado como desembargador do TJRS pelo quinto constitucional, deixou o cargo de Promotor de Justiça para trabalhar na iniciativa privada.
O destino do promotor de justiça não havia sido revelado até então, nem mesmo por ocasião de entrevista ao Jornal Zero Hora, sendo que o promotor apenas alegou confidencialidade, limitando-se a referir que estava deixando o cargo porque havia recebido proposta de uma empresa privada de São Paulo.
Ontem, durante o leilão, que foi transmitido pela internet, o ex-procurador-geral de Justiça do Estado apareceu no novo job como assessor institucional da Aegea, única empresa participante e vencedora do leilão.
Ressalte-se que, em agosto deste ano, ocorreu em Gramado o XV Congresso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, sendo que Aegea foi uma da patrocinadoras do evento.
A situação em si chama bastante atenção, já que o Ministério Público é a instituição responsável por fiscalizar os Planos Municipais de Saneamento Básico e os respectivos contratos dos 497 municípios do Rio Grande do Sul.
O ex-procurador-geral de Justiça em questão já foi inclusive alvo de representação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio do qual a chapa opositora que concorreu à formação da lista tríplice denunciou Fabiano Dallazen por assédio eleitoral, abuso do poder político e de manter relações promíscuas com o governo do Estado.
Toda esta situação traz à luz e ao debate político a necessidade urgente de reformas no Ministério Público, especialmente no que toca ao processo de escolha do chefe da instituição.
Neste sentido, há a Proposta de Emenda à Constituição n. 147/2015 na Câmara dos Deputados, que pretende alterar o § 3º do art. 128 da Constituição Federal, para incluir a participação de servidores efetivos na eleição da lista tríplice dos Ministérios Públicos Estaduais e o do Distrito Federal, já que atualmente somente os membros da instituição têm direito a voto.
No Rio Grande do Sul, por meio de iniciativa inovadora, o Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Estado (SIMPE) promove a eleição paralela, por meio do qual os servidores e servidoras escolhem o chefe de instituição, cujo resultado é entregue ao governador do Estado.
Por outro lado, igualmente se mostra necessária e urgente a regulamentação da atividade de lobby no País, para fins de instituir normas gerais e limites à representação privada de interesses junto à administração pública, tornando-a mais transparente, a evitar condutas reprováveis e nada republicanas.
Aqui, na América Latina, temos como exemplo a regulamentação levada a efeito no Chile, cuja sociedade - tal qual a brasileira - é marcada historicamente por reiterados episódios de corrupção envolvendo autoridades e suas instituições.
A regulamentação deste tipo de atividade é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a qual reúne 38 países, entre os quais estão as economias mais desenvolvidas do mundo, a exemplo da Alemanha, Estados Unidos, Japão e Reino Unido.
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