Maria Isabela Marques Pereira, Graduanda em Administração Pública na FGV EAESP
O Brasil é um país democrático, no entanto, a ascensão de Jair Messias Bolsonaro ao poder, bem como sua repetida exaltação à ditadura militar, trouxeram novamente a indagação: por que a democracia é melhor? Uma resposta que se mostra bastante pertinente é oferecida por Robert Dahl. Para o autor, a democracia é tão essencial que ele apresenta dez vantagens desse regime de governo, dos quais se extrairão duas, as quais serão importantes para embasar a argumentação presente neste artigo.
A primeira delas está no fato de que a democracia garante uma série de direitos que governos não-democráticos não conseguem promover, uma vez que a democracia é, por si só, construída por meio de direitos, ou seja, sem eles não há democracia; e a democracia ajuda as pessoas a garantirem seus direitos fundamentais, uma vez elas podem vir a participar do processo de tomada de decisão.
Em suma, a democracia é ideal uma vez que permite o diálogo e a construção de um governo pensado em conjunto, da união de esforços de representantes e representados.
Assim, vale analisar, de forma prática, como a democracia esteve presente/ausente no Brasil nos últimos anos, com base nos dois últimos governos, de 2018 a 2022, com Jair Messias Bolsonaro e o de 2023, com Luiz Inácio Lula da Silva. Para isso, este artigo irá apresentar, especificamente, ações referentes às políticas públicas de participação em ambos os governos.
Partindo do conceito de políticas públicas de participação social como mecanismos dentro de um Estado que permitem o trabalho em conjunto entre a sociedade e seus representantes, observa-se duas realidades distintas nos governos Bolsonaro e Lula.
Bolsonaro, em seu centésimo dia de governo (11 de abril de 2019), assinou o Decreto n° 9.759/2019, no qual tinha a intenção de diminuir de 700 para menos de 50 o número de conselhos previstos pela Política Nacional de Participação Social (PNPS) e pelo Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), que tinham sido criados em 2014, no governo Dilma Rousseff, por meio do Decreto n° 8243/2014.
É possível levantar alguns pontos antes de firmar um juízo de valor, sendo o primeiro deles a importância dos conselhos para a participação popular no governo. Graças a esses conselhos os cidadãos podem ativamente auxiliar na construção de políticas públicas, ou até mesmo ajudar no refinamento delas. Assim, como visto anteriormente, os conselhos são ferramentas fundamentais para a existência da democracia em um país, já que permitem que os cidadãos efetivamente façam parte da política.
Entretanto, no governo Dilma, a criação desses conselhos ocorreu por meio de decreto, e não por lei. Dessa forma, um dos argumentos utilizados pelos apoiadores da decisão pela extinção desses conselhos era de que: "Aqueles órgãos que foram criados por decreto, e não por lei, podem ser extintos por decreto pelo presidente da República", como afirmou Ricardo Lewandowski.
Além disso, outro ponto levantado foi o fato de que muitos conselhos estavam ociosos e não possuíam uma participação efetiva dentro do governo. A discussão, então, foi levada para o Supremo Tribunal Federal (STF), que limitou a proposta do Decreto n° 8243, eliminado somente os conselhos que não estavam previstos em lei e extinguindo aqueles que se concretizaram pelo Decreto n° 8243.
Em contrapartida, no seu primeiro mês de governo, o atual Presidente Lula assinou o Decreto n° 11.407/2023, que institui o Sistema de Participação Social, cuja missão será "estruturar, coordenar e articular as relações do Governo Federal com os diferentes segmentos da sociedade civil na aplicação das políticas públicas". Além disso, por meio do Decreto n° 11.406/2023, também foi criado o Conselho de Participação Social da Presidência da República, que tem como objetivo "assessorar o Presidente da República no diálogo e na interlocução com as organizações da sociedade civil e com a representação de movimentos sindicais e populares; e promover o diálogo com a Secretaria-geral da Presidência da República quanto à participação social na execução de políticas públicas."
Esses decretos possuem a intenção é aumentar significativamente a possibilidade de participação popular, permitindo que os cidadãos possam agir em favor de seus interesses e possam garantir seus direitos de participar da política.
Assim, comparando os dois governos no que diz respeito às ações referentes às políticas públicas de participação popular, pode-se notar que Bolsonaro, em sua gestão, com a diminuição dos conselhos, tenta minar a participação popular, o que representa um atentado à democracia no Brasil. Lula, por sua vez, fortalece a democracia com o Sistema de Participação Social e o Conselho de Participação Social da Presidência da República.
Entretanto, com a dicotomia dos dois últimos Presidentes, foi possível observar que a garantia da participação popular na política no Brasil possui, ainda, uma fragilidade, uma vez que não se têm leis concretas referentes à participação social dentro do governo no que tange aos conselhos, pois somente aqueles referentes à saúde, assistência social e educação possuem suas atuações previstas em lei.
Por mais que a Constituição garanta a participação popular por meio desse mecanismo, ela não alcança todas as demandas, o que deixa uma lacuna a ser preenchida pelo Chefe do Executivo, que pode desejar aumentar ou diminuir a participação do povo, havendo uma certa arbitrariedade nesta situação.
Portanto é necessário que se haja mudanças no que diz respeito à legalidade do engajamento civil, para que o Brasil possa caminhar para uma democracia mais bem consolidada. Somente dessa forma o direito de fazer parte da política dos cidadãos estará efetivamente garantido, independentemente do governo que ocupe o poder.
Referências
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