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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Direito e fragmentação

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Por Redação

André de Almeida, CEO + Founding Partner do escritório Almeida Advogados

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 A questão da legitimidade e juridicidade no exercício do poder estatal é uma das questões mais complexas do Direito, sendo que grandes juristas como Weber, Kelsen, e Habermas se dedicaram ao tema que, dentro do contexto da Sociedade da Informação, na qual interação entre pessoas e grupos de interesses se dá de forma cada vez mais acelerada e complexa, ganha novos contornos.

A intenção desse breve artigo não é abordar o tema com profundidade doutrinária mas sim, bem mais modesta, trazer ao debate nossa crescente preocupação com o fato de que, atualmente, o Direito tem sido, no mais das vezes, utilizado como instrumento de desagregação e exacerbação de divergências, colocando em risco, em última análise, sua própria legitimidade.

As democracias contemporâneas enfrentam tendências desestabilizadoras, exacerbadas por realidades como a inserção de novas tecnologias e a crescente desigualdade. 

Dentre elas estão a fragmentação política (isto é, a dispersão do poder em excessivos centros de tomada de decisão) que dificulta o regular funcionamento e a efetividade do governo, e a polarização (divisão das sociedades, normalmente em torno de ideias cada vez mais extremas). Ambas se caracterizam como deletérias forças centrífugas, que atomizam cada vez mais os atores socais e comprometem a convivência pacífica e a consecução de objetivos comuns, com importantes reflexos em todas as instituições. 

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No campo geopolítico, os sistemas não democráticos, que evitam estas tendências a um elevando custo humano, utilizam este estado de coisas como instrumento de dissuação, como restou evidente na aposta de Putin de que as democracias ocidentais não conseguiriam fazer frente unida face à invasão da Ucrânia.

Neste sentido, o Direito, cujos objetivos são a organização e regulamentação dos comportamento sociais de forma a propiciar harmonia, cooperação, a resolução pacífica dos conflitos, bem como o exercício do poder dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, deve ser utilizado para a garantia da coesão social, moderação e da segurança, particularmente em momentos de crise.

Paradoxalmente, não é isso que está acontecendo e, de forma preocupante, as instituições responsáveis em aplicar o Direito (em particular a cúpula do Poder Judiciário) está conseguindo torná-lo um instrumento cada vez mais de insegurança e desagregação.

Dentro do contexto das complexas relações em Direito e Política, a mais importante é que o primeiro seja  garantidor do exercício do poder político nos estritos termos estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

Contudo, a politização do Poder Judiciário é uma realidade e, atualmente, podemos afirmar que possível, em muitos casos, adiantarmos o teor do posicionamento de determinados magistrados (em particular dos Tribunais Superiores) apenas considerando quem foi responsável por sua indicação.

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E não se pense que este fenômeno é algo local, porque a Suprema Corte dos Estados Unidos tem sido particularmente criticada por sua inflexível polarização dentro de estritas linhas partidárias e ideológicas, como bem comprovou o recente vazamento do voto acerca da alteração do precedente jurisdicional Roe v. Wade (que trata da questão da legalidade do aborto naquele país).

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Às favas (em paralelo com um triste antecedente histórico) com a necessidade de respeito aos precedentes judiciais, à segurança jurídica e a construção de um Direito com bases perenes que possa garantir a longo termo a paz social.

Tal situação é extremamente preocupante uma vez que, nos termos da expressão desenvolvida pelo sociologo americando Robert K Merton, podem levar a resultados não previstos ou imaginados pelos atores originais (law of unintended consequences).

A adoção de posicionamentos por demasiados políticos, pelos magistrados (e outros profissionais do Direito, especialmente aqueles com atribuições institucionais) macula a racionalidade e a razoabilidade que servem de base para a própria legitimidade da ordem jurídica estabelecida. 

Portanto, ao não observar o Direito, tais atuações solapam as própiras bases jurídicas que lhe dão validade, o que é um paradoxo em todos os ângulos que se analise, e uma consequência (talvez não intencional) extremamente grave, pois em verdade, o uso inadequado da força nestes casos implica no enfraquecimento da sua própria base de sustentação.

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Assim, abre-se a possibilidade de que, por descontentamento legítimo diante da arbitrariedade, dentro do seio de uma sociedade já fragmentada e polarizada, surjam nefastas ideias de desobediência civil (em especial face ao Poder Judiciário).

É incabível a utilização do Direito como instrumento para testar os limites da ordem democrática mas, infelizmente, temos assistidos a reiteradas situações inequívocas neste sentido. Com efeito, a situação é tão grave que a impensável menção ao descumprimento de decisões judiciais, recentemente aventada por importantes figuras da República,  de forma cínica e irresponsável, um verdadeiro convite à valsa da barbárie, lamentavelmente encontra eco em alguns quadrantes, impulsionada pela indiferença e impotência geradas por um cenário em que as barbaridades jurídicas se amontoam.

As consequências imprevistas da deslegitimação do Direito tem causado situações absurdas mesmo nas democracias consideradas mais sólidas (como explicar a invasão do Capitólio a não ser por uma fragmentação e polarização que questionam a própria ordem jurídica?).

Assim, se a ordem democrática encontra desafios, os profissionais do Direito, último recurso na manutenção da ordem social e política, têm o dever de contribuir para que se prevaleça a racionalidade, coerência e harmonia, em especial quando a conjuntura é tão volátil e a insatisfação extrema.

Devemos, coletivamente, ter maturidade suficiente para saber que não podemos brincar com fogo.

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