Emiliano Lobo de Godoi, Doutor em Agronomia e Professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás
O processo de degradação atingiu não somente a rica biodiversidade brasileira e seus recursos naturais, mas, também, atingiu fortemente nossa, então, robusta legislação ambiental. Apesar todos serem a favor de um meio ambiente equilibrado e justo, como dito em nossa Constituição, temos feito muito pouco para isso. Infelizmente, a realidade dos fatos indica que adotamos exatamente o caminho contrário.
O principal fórum de discussão ambiental do país, o Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA, que existe para assessorar, estudar e propor ao governo políticas para a exploração e preservação do meio ambiente, teve sua composição significativamente alterada em 2019, por meio do Decreto nº 9.806/19, aumentando a participação proporcional dos representantes do governo federal e reduzindo a participação da sociedade civil. Com isso, o Conama ficou mais desiquilibrado e menos eficaz.
À revelia dos graves eventos climáticos, cada vez mais comuns em nosso país, e que levam a mortes e inúmeros prejuízos ambientais e econômicos, foi sancionada a Lei 14.285/21, transferindo para os municípios a responsabilidade de se definir a largura das áreas de preservação permanente ao longo de qualquer curso d'água natural em áreas urbanas. Essa definição, a partir de agora, se dará pelos planos diretores e leis municipais de uso do solo.
Entretanto, as pressões locais para a ocupação dessas áreas são constantes, principalmente por empreendimentos imobiliários. Sem uma lei maior, que assegure uma faixa mínima de preservação, certamente essas áreas serão ocupadas e impermeabilizadas com a maior voracidade possível. Em algum momento futuro de inundações deveremos nos lembrar e lamentar sobre isso.
As ameaças também chegam ao nosso subsolo, e já faz algum tempo. Em 2007, o Ministério de Minas e Energia (MME) havia tentado a revogação do Decreto nº 99.556/90, que tratava da proteção das cavernas. Esta regulamentação criava dificuldades para a construção das barragens de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira (SP) e de Carajás, no Pará. Assim, em 2008, alterações significativas foram feitas por meio da edição do polêmico, falho e contestado Decreto nº 6.640/08.
Agora, o recém assinado Decreto nº 10.935, de 12/01/22, não só suprimiu completamente a norma anterior, como criou uma situação inusitada em seu art. 4º, que diz que "as cavernas poderão ser objeto de impactos negativos irreversíveis quando autorizado pelo órgão ambiental licenciador competente". Mas, o papel do órgão ambiental não é justamente evitar impactos negativos irreversíveis aos recursos naturais? Como pode um órgão ambiental autorizar isso?
A atual norma possibilita ainda que o empreendedor compense a destruição de uma caverna com a preservação de outra, desconsiderando que cavernas são ambientes naturais únicos e que a preservação de uma cavidade natural não justifica ou compensa a destruição de outra. Além disso, não podemos esquecer a grande relevância para a humanidade dos achados científicos feitos em várias cavernas.
Felizmente, no último dia 24/01, o ministro Ricardo Lewandowski atendeu parcialmente ação apresentada pela Rede Sustentabilidade e suspendeu dois dispositivos da nova norma, um que permitia a construção de empreendimentos e atividades nas cavernas e outro que permitia a destruição mesmo daquelas que os órgãos ambientais classificam como de relevância máxima.
Parece que não basta degradar o que está acima do solo. Agora vamos colocar em risco, também, o que está abaixo da superfície. Neste processo de destruição, chegará o momento em que nos faltará chão para viver, água para beber e ar para respirar. As recentes secas e o calor extremo na região sul e as fortes inundações na região nordeste do país já nos mostram claramente que existe algo de errado neste caminho que optamos por percorrer. Os sinais estão aí. Porém, faltam olhos para ver e mãos para agir.
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