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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Governança Pública: da confusa panaceia às alternativas realistas

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Por Redação
Fonte: arquivo pessoal  

Pedro Cavalcante, Doutor em Ciência Política (UnB) e Professor do mestrado e doutorado em Administração Pública no IDP e Enap

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Não é de hoje que o conceito de governança se dissemina como mantra entre acadêmicos e, sobretudo, burocratas e dirigentes no setor público. Trata-se de um dos típicos conceitos mágicos da administração[1], pois sua interpretação ambígua e carregada de juízo de valor que muitas vezes induz a visão ingênua de se obscurecer ou mesmo negar conflitos entre interesses e lógicas diferentes, que naturalmente permeiam os processos das políticas públicas em contexto democrático. Como efeito, visões simplórias e maniqueístas predominam, ou seja, se a organização ou política pública é ineficiente, burocrática e corrupta é culpa da 'má' governança, em outro extremo, se for transparente, efetiva e sustentável é graças à 'boa governança'.

A confusa panaceia se prolifera nos esforços de caráter normativo-prescritivo e, principalmente, com interpretações vagas e imprecisas sobre o entendimento e aplicabilidade dos dois pilares de governança, i.e., direcionamento (steering) e prestação de contas e responsividade (accountability). É justamente o bom equilíbrio esses dois pilares que tende a determinar o sucesso de um bom arranjo de governança, algo muito desejado mas nem sempre alcançado na administração pública.

Figura 1 - Pilares da Governança

Fonte: elaboração própria.  

Não obstante, a questão se torna problemática, não pela diversidade conceitual em si, mas sim pelas tentativas de resolução da situação por meio da simplificação, muitas vezes exagerada do conceito, sem o devido embasamento teórico e rigor metodológico. Essa confusão conceitual não é exclusividade nacional, uma vez que é comum, tanto nos governos e organismos multilaterais quanto na academia, coexistirem visões que nem sempre são convergentes.

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No Brasil, esse fenômeno se reflete, por exemplo, no Decreto 9.203 de 2017 de 22 de novembro que, ao reduzir a governança pública apenas a mecanismos de liderança, estratégia e controle se fundamenta em uma definição excessivamente restritiva e estática do termo, além de não incorporar os avanços contemporâneos desse debate. Essas dimensões são importantes, porém não são as únicas para o bom funcionamento do setor público. Por exemplo, limitar o foco em 'liderança' negligencia o fato de que os arranjos das políticas públicas, cada vez mais plurais e complexos na democracia, dependem de esforços colaborativos e cooperativos (e também conflitivos) de variados atores e organizações e não apenas na capacidade individual de um gestor. Do mesmo modo, não é factível afirmar que a 'estratégia' é estática e resultante apenas da intencionalidade de um líder pois, na prática governamental, trata-se de um processo dinâmico marcado por contingências e mudanças de cunho político, social, econômico, tecnológico etc., que obrigam os dirigentes constantemente a aprender e adaptar suas preferências e decisões.

O ímpeto reducionista também se observa em processos de isomorfismo na construção de indicadores de 'boa' governança que comparam e ranqueiam organizações díspares do ponto de vista de complexidade de missões, competências e, principalmente, capacidades financeiras e operacionais[2]. Esses indicadores são criticados não apenas por compararem 'bananas com laranjas', mas também por não possuírem modelos teóricos válidos que os sustentem, além de equívocos metodológicos e "ginástica estatística", o que normalmente geram problemas de falta de consistência, correção e replicabilidade nos seus usos[3].

Como agravante, vem surgindo como uma nova 'onda' a incorporação das estratégias ESG, sigla em inglês para Environmental, Social and Corporate Governance (ambiente, social e governança corporativa), para dentro do debate de governança no setor público. Embora seja uma agenda valorosa como um esforço de autorregulação dos mercados, vale lembrar que essas responsabilidades foram institucionalizadas e são cotidianamente executadas dentro da esfera pública. Por essa razão, cabe justamente aos ministérios sociais, ambientais, agências reguladoras e órgãos de controle fomentar, regular, supervisionar e sancionar as empresas privadas em relação a essas dimensões, incluindo as práticas de sustentabilidade, gestão transparente e integra, garantias de segurança no trabalho e promoção da diversidade.

Sem dúvida, causa certa estranheza imaginar o Ibama sendo cobrado por ações sustentáveis ou a Funai por medidas de inclusão social. Entretanto, como ainda não há clareza sobre o que esse debate significa na prática, isto é, de quem e como essas questões serão medidas e analisadas no âmbito das competências e ações governamentais, é fundamental uma discussão qualificada para se evitar as confusões e os riscos em termos de recomendações indevidas e simplificadas de realidades complexas e assimétricas do setor público, como ocorreu no Decreto 9203/2017.

Portanto, qual seria o caminho mais realista e produtivo a seguir? Um primeiro passo, já em andamento no governo federal, consiste na reformulação do Decreto de governança, de modo a substituir a já superada perspectiva de 'receita única' (one-size fits all model) para todas as áreas e funções estatais, que tende a gerar efeitos negativos como a reprodução de desigualdades entre organizações e as comparações indevidas que não consideram as assimetrias de capacidades e as particularidades de diferentes políticas. Para tanto, a proposta de mudança se direciona para uma visão abrangente e atualizada de governança pública que valorize novos princípios e diretrizes, como inclusão, equidade, participação social e colaboração.

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Outra alternativa promissora é transferirmos as atenções da tradicional abordagem hierárquica (top-down) para algo mais próximo da denominada governança experimentalista, entendida como 'máquina para aprender com a diversidade'[4]. Em linhas gerais, essa nova perspectiva, mais adequada a cenários de incertezas e de heterogeneidade de interesses e poder, consiste na construção de diferentes arranjos de governança pautados em processos contínuos de adaptação e tentativa-e-erro com base em monitoramento e avaliação dos resultados das políticas públicas.

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Por fim, para captar o dinamismo do conceito e das práticas relativas à governança uma alternativa é focar na valorização de experiências de sucesso nos moldes do programa Global Innovation Trends[5] da OCDE. A partir de uma premiação anual, essa organização analisa as tendências inovadoras pelo mundo, seleciona as mais recorrentes e promissoras e dissemina as boas práticas. Essa iniciativa pode trazer bons frutos, uma vez ajustada à realidade das diferentes áreas e esferas governamentais no Brasil.

Em síntese, o desafio de superar as confusões e implicações que a visão hegemônica tem trazido não é nada trivial, todavia, contribuir para aprimoramento e à efetividade das ações governamentais requer uma estratégica ampla, cooperativa e persistente que abrace a complexidade e as diferentes especificidades das organizações públicas. E o mais importante: inverter o foco dessa agenda. Em vez de se propagar normas, modelos e indicadores prescritivos e idealizados de governança pública, o mais recomendado é enfatizar no diagnóstico e na construção de capacidades para gerar casos de sucesso nas políticas públicas que harmonize os pilares da accountability democrática e direcionamento gerencial.

Notas

[1] Hupe, P.; Pollitt, C. The magic of good governance. Policy and Society, v. 13, n. 5, p. 641-658, 2010.

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[2] Cavalcante, P.; Pires, R. Governança Pública: das prescrições formais à construção de uma perspectiva estratégica para a ação governamental. Boletim de Análise Político-Institucional, v. 1, p. 19-15, 2018.

[3] Andrews, M. The good governance agenda: beyond indicators without theory. Oxford Development Studies, v. 36, n. 4, p. 379-407, 2008.

[4] Sabel, C.; Sabel Z. Experimentalist Governance. In Oxford Handbook of Governance, edited by David Levi-Faur. Oxford Handbooks. Oxford, UK: Oxford University Press, 2012.

[5] Para mais informações, ver https://oecd-opsi.org/work-areas/innovation-trends/.

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