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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O futuro do cárcere no Brasil

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Por Redação
Imagem: arquivo pessoal.  

Dalson Figueiredo, Professor Associado I do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Catalisador do Berkeley Initiative for Transparency in the Social Sciences e visiting scholar na Universidade de Oxford, 2021/2022. E-mail: dalson.figueiredofo@ufpe.br

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Ernani Carvalho, Professor Associado IV do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Visiting Research Associate at the Latin American Centre and Brazilian Studies na Universidade de Oxford, 2021/2022. E-mail: ernani.carvalho@ufpe.br

"Se você não pode medir, não pode gerenciar". Atribuída a Peter Drucker, essa frase é figurinha repetida, por assim dizer, em palestras motivacionais em organizações públicas e privadas. E por um bom motivo. Não dá para falar em planejamento de ações para alterar a realidade se nos falta conhecimento básico a respeito do que se deseja modificar. Criado pela Lei 12.714 de 2012, o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN) é a principal ferramenta de monitoramento das informações penitenciárias no Brasil. O objetivo deste artigo é divulgar esse dispositivo e mostrar o que podemos aprender sobre o sistema carcerário nacional a partir dos dados mais atualizados sobre o tema. Mas, antes, vejamos como anda a saúde da estrutura institucional de privação de liberdade em perspectiva comparada, conforme ilustra o Gráfico 1.

Gráfico 1 - Taxa de encarceramento por país

 

Considerando os dados mais recentes compilados pelo World Prision Brief, o Brasil aparece na oitava posição no ranking mundial de pessoas encarceradas em uma amostra de 226 casos, com uma taxa de 389 detentos por 100 mil habitantes. El Salvador (1.086), que tem um problema crônico com gangues e passa por um desmantelamento institucional sem precedentes, lidera com folga. Cuba (794) e Ruanda (637) completam o pódio. Quando o foco se desloca para o total de pessoas privadas de liberdade, a mesma fonte contabiliza uma população de 811.707 detentos e detentas vivendo em território tupiniquim. Apesar de importantes, essas informações estão em um nível excessivamente agregado, o que limita a utilização do dado para fins de elaboração e implementação de políticas públicas. É aí que entra em cena o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional.  Dados de junho de 2023 revelam o seguinte:

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1. A população carcerária brasileira é de 839.672 almas, sendo 649.592 mantidas em presídios (77%) e 190.080 em prisão domiciliar (23%). Dos que estão em casa, 49% contam com monitoramento eletrônico;

2. Os estados concentram o grosso do contingente, com 99%, sendo 489 pessoas cativas em celas físicas federais e 4.798 presos em carceragens das polícias civil, militar e federal;

3. Quando a análise é realizada por regime de pena, 52,2% estão no regime fechado, totalizando 336.340 pessoas. O regime semi-aberto abriga 18,37% do total, ou seja, 118.328 reeducandos e reeducandas. Pouco mais de 1% se encontra no regime aberto, o que dá 6.872 casos e quase 28% da população carcerária é formada por presos provisórios - que ainda não foram julgados, totalizando 180.167 pessoas;

4. A quantidade de pessoas vivendo em privação de liberdade vem crescendo "devagar e sempre" como diz o ditado, conforme ilustra o Gráfico 2.

Gráfico 2 - Evolução da população carcerária no Brasil (2000-2023)

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Comparativamente, a população carcerária passou de 232.755 em 2000 para 755.274 em 2019, o que significa um incremento de 224%. A linha pontilhada vermelha indica o momento de uma queda abrupta na quantidade de reeducandos, o que pode ser explicado pela exclusão em 2020, para fins de cálculo, de pessoas em prisão domiciliar;

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5. Essa mudança matemática é importante pois afeta outro indicador essencial para o gerenciamento do sistema prisional: o déficit de vagas. As estimativas mais recentes indicam a necessidade de criação de, pelo menos, 166.717 vagas para atender à demanda do sistema carcerário nacional;

6. Atualmente, a capacidade contratada de monitoramento remoto com auxílio de tornozeleiras eletrônicas é de 121.911 para uma população de 92.894, o que significa uma taxa de utilização de 76%;

7. Em termos de composição, a maior parte da população prisional é formada por homens (95%), predominantemente jovens (18,45% têm entre 18 e 24 anos e 22,65% têm entre 25 e 29 anos). Não encontramos dados sobre a distribuição racial/cor dos reeducandos e reeducandas no painel de indicadores do SISDEPEN;

8. De forma inédita, salvo melhor juízo, foram coletadas e disponibilizadas informações sobre a composição familiar das pessoas privadas de liberdade. Para uma amostra de 245.946 encarcerados e encarceradas, 115.265 declararam não ter filhos, o que significa 47% do total. Encontramos 627 registros de pessoas com 8 filhos, 372 casos de detentos/detentas com 9 filhos, 218 ocorrências de reeducandos/reeducandas com 10 filhos e 563 casos com 11 ou mais filhos;

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9. Por fim, o sistema reporta informações sobre a taxa de aprisionamento por estado. Detectamos grande variação entre as unidades federativas. Em Alagoas, por exemplo, a taxa atual é de 146. Em Pernambuco, por outro lado, essa estimativa é de 317 e em São Paulo chega a 443.

Com uma das maiores populações carcerárias do mundo, o Brasil enfrenta graves problemas como superlotação, condições físicas precárias, violência, falta de acesso a serviços básicos de saúde e educação, além de altas taxas de reincidência criminal. Cerca 1 em cada 4 ex-condenados retornam a cometer crimes, de acordo com levantamento do IPEA. As informações catalogadas pelo SISDEPEN são imprescindíveis para subsidiar a formulação de políticas públicas baseadas em evidências que possam auxiliar o governo brasileiro a cumprir as determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em particular, foram detectadas graves violações aos direitos humanos em três unidades prisionais e uma unidade de internação de adolescentes.  É muito provável que outras irregularidades seriam encontradas caso uma amostra mais abrangente de instituições fosse inspecionada. Assim, ainda temos um longo caminho para fazer valer a máxima de que a execução penal deve "proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado" (art. 1, Lei 7.210/1984). Mais recentemente,  a decisão do STF, na ADPF 347, obrigou o governo federal a elaborar intervenções especialmente desenhadas para fomentar a qualidade do sistema prisional. Memórias do Cárcere, obra que justifica o título deste artigo, descreve a cadeia como um lugar de "terror, agonia e prognósticos medonhos". O livro foi inspirado na experiência pessoal do próprio Graciliano Ramos que ficou preso, sem provas e sem acusação formal, entre março de 1936 e janeiro de 1937. Passados quase 90 anos do cerceamento da liberdade do brilhante escritor alagoano, a "sujeira imensa, a disenteria, a falta de água, um milheiro de homens a apertar-se num curral de arame" não devem deixar a sociedade sossegar.

Nota

Os dados citados neste artigo estão disponíveis no painel de indicadores do SISDEPEN, disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYzZlNWQ2OGUtYmMyNi00ZGVkLTgwODgtYjVkMWI0ODhmOGUwIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9

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