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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

O PIU Arco Pinheiros: quem se apropria da valorização dos terrenos?

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Por Redação

Paulo Sandroni, Economista, Professor da FGV - SP e da PUC - SP

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O projeto de intervenção urbana (PIU) Arco Pinheiros tem como elemento estruturante o aumento da densidade tanto populacional como construtiva nas áreas de sua abrangência constituída pelos distritos de Jaguaré e Vila Leopoldina. As intervenções urbanísticas propostas requerem mudanças em pelo menos três indicadores: o aumento do Coeficiente de Aproveitamento Máximo, a eliminação de gabaritos e a mudança de uso. Todas essas alterações promovem a valorização dos terrenos afetados, a maioria de grandes dimensões, e apropriados por pessoas jurídicas muitas delas construtoras e incorporadoras [1]. Este texto pretende mostrar as evidências empíricas existentes e propor um instrumento de captura dessa valorização pelo governo municipal.

O PIU Arco Pinheiros cujo perímetro de intervenção corresponde aos distritos do Jaguaré e de Vila Leopoldina (Imagens 1 e 2) foi encaminhado à Câmara de Vereadores como projeto de lei 427 em 2019. Nesses distritos, estão localizados vários estabelecimentos industriais construídos partir dos anos 40 em grandes áreas recuperadas das várzeas dos Rios Pinheiros e Tiete ambos canalizados e retificados.

Imagem 1

 Foto: Estadão

Fonte: SP - Urbanismo.

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Imagem 2

 Foto: Estadão

Fonte: Google.

As plantas industriais instaladas em grandes glebas de áreas drenadas foram atraídas pela existência de transporte ferroviário vinculando as mesmas ao Porto de Santos, ao interior do Estado, ao Rio de Janeiro e aos Estados do Sul do país.

A forte presença industrial perdeu ímpeto a partir dos anos 80 quando a cidade passa a ter uma participação crescente de atividades comerciais e de serviços. Terrenos que antes continham construções industriais (fabricas, depósitos, armazéns, galpões) especialmente no distrito de Vila Leopoldina passaram a ser ocupados por edificações residenciais verticais e/ou destinadas ao comercio e aos serviços.

Para que se tenha uma ideia dessas transformações o quadro abaixo mostra o uso do solo nos dois distritos entre 1995 e 2000:

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Quadro I. Distrito do Jaguaré 1995 e 2020: área total, área construída em 1.000, e número de lotes

 Foto: Estadão

Fonte: Geosampa infocidades

O quadro anterior mostra que entre 1995 e 2020 o distrito do Jaguaré no qual a área ocupada por terrenos industriais equivalia, no primeiro ano a 26% da área total do distrito, em 2020 essa porcentagem cai para 18% perdendo o distrito 306 mil m2 de área e de terrenos industriais para outros usos.

Quadro II. Distrito de Vila Leopoldina 1995 e 2020 área total, área construída em 1.000 e número de lotes

 Foto: Estadão

Fonte: Geosampa Infocidades

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No distrito de Vila Leopoldina, essa participação no total da área do município cai de 20% na primeira data para 8,4% na segunda perdendo o distrito 548 mil m2 de terrenos e 86 lotes antes ocupados por indústrias para usos residenciais e de comercio e serviços.

Os dados anteriores mostram a significativa mudança de uso que ambos os distritos vêm acusando nos últimos 25 anos.

O PIU Arco Pinheiros reconhece essas transformações e propõem acelerá-lo com novo tratamento urbanístico para o conjunto da área formada pelos dois distritos.

A valorização dos terrenos do interior do perímetro do PIU Arco Pinheiros

Terrenos ocupados por plantas industriais geralmente utilizam construções com metragem inferior a área do terreno. Ou melhor, são construções que não utilizam a totalidade do potencial construtivo permitida pelo zoneamento.

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A natureza tecnológica dos processos de produção que normalmente requerem a operação de pesados equipamentos processando uma grande quantidade de matérias primas não são compatíveis com construções verticais em edificações de vários andares.

Se considerarmos duas ruas do Distrito de Vila Leopoldina e duas avenidas do distrito do Jaguaré podemos verificar que na maioria dos casos os estabelecimentos industriais ali construídos ocupam menos de uma vez a área do terreno onde se localizam.

No caso da rua Othão na Vila Leopoldina composta por 9 terrenos de grande porte apenas um apresenta um CA efetivo maior do que 1,0.

Quadro III. Rua Othão: área de terrenos, área construída, CA efetivo, CA básico e máximo, Gabarito e Zona

 Foto: Estadão

Fonte: PGV 2020 e Geosampa. CA Efetivo: área que se encontra construída em relação á área do terreno. ZEM - Zona Eixo de estruturação da transformação metropolitana.

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Quadro IV. Rua Mergenthaler: área dos terrenos, área construída, CA efetivo, CA básico e máximo, Gabarito e Zona

 Foto: Estadão

Fonte: PGV 2020 e Geosampa

Quadro V. Av. Alexandre Mackenzie: área dos terrenos, área construída, CA efetivo, CA básico e máximo, Gabarito e Zona

 Foto: Estadão

Fonte: PGV 2020 e Geosampa

Quadro VI. Av. Engenheiro Billings: área dos terrenos, área construída, CA efetivo, CA básico e máximo, Gabarito e Zona

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 Foto: Estadão

Fonte: PGV 2020 e Geosampa

Podemos observar que esses quatro casos se caracterizam por terrenos de grandes dimensões, com CA efetivos inferiores a 1,0 gabaritos de 28m e CA máximos de 1,5 ou 2,0 e usos preponderantemente industriais.

Muitos desses estabelecimentos já estão desativados não operando mais como fabricas e esse esvaziamento denota que não há demanda para seguir utilizando-os para atividades fabris. Por outro lado, utilizá-los para fins residenciais e de comercio e serviços requer mudanças nos índices urbanísticos. Por exemplo, não é rentável construir edificações residenciais verticais em terrenos (como na av. Eng. Billings) nos quais o CA máximo é 1,5 uma vez que o custo do terreno em cada m2 construído poderia superar um nível considerado adequado no plano de negócios de uma construtora: por exemplo, para uma área construída computável de 12.000 m2 seria necessário um terreno 8.000 m2, isto é, quase um quarteirão para conter apenas uma edificação.

A fórmula utilizada para o cálculo da contrapartida

Nas contrapartidas correspondentes a outorga onerosa o PIU Arco Pinheiros pretende utilizar a fórmula vigente atual. E esta fórmula barateia a contrapartida, isto é, estabelece um preço do m2 adicional adquirido tão mais barato quanto maior for o CA utilizado. Por essa razão, há interesse de construtoras e incorporadoras que seus terrenos tenham CA Máximo 4,0 ou seja, o máximo permitido pelas regras do zoneamento.

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A contrapartida financeira à outorga onerosa de potencial construtivo adicional é calculada segundo a fórmula abaixo:

C = (At/Ac) x V x Fs x Fp

Legenda: C - contrapartida financeira relativa a cada m² de potencial construtivo adicional; At - Área de terreno em m2; Ac- Área construída computável total pretendida no empreendimento em m2; V - Valor do m² do terreno constante do Cadastro de Valor de Terreno para fins de Outorga Onerosa; Fs - fator de interesse social, entre 0 (zero) e 1 (um), conforme; Fp - fator de planejamento entre 0 (zero) e 1,3.

Vejamos um exemplo do impacto nos valores da contrapartida a ser paga calculada pela fórmula anterior em projetos executados em terrenos nos quais mudanças nos índices urbanísticos forem aprovadas.

O caso do imóvel da rua Silva Airosa n. 180

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Em imóvel localizado na rua Silva Airosa n. 180 - Vila Leopoldina- anteriormente ocupado por estabelecimento industrial foi instalada uma empresa de produção de hortaliças - A Pink Farms - tornando-se a primeira fazenda urbana vertical na cidade. Esta agritech cultiva folhas e microgreens (brotos de vegetais), por meio de uma tecnologia que combina hidroponia -- o cultivo em água, sem solo -- e iluminação LED para substituir a luz do sol.Trata-se de um caso extremo de mudança de uso sem alteração da densidade construtiva: as atividades agrícolas foram acomodadas no mesmo galpão antes utilizado para fins industriais, ou de armazenagem [2].

O imóvel possui terreno de 3.000 m2 e área construída de 2.763 m2 sendo o CA efetivo igual a 0,92 isto é, menor do que 1,0.

Os atuais índices urbanísticos para esse imóvel são os seguintes: CA básico 1,0 e Máximo 1,5; gabarito 28m e zona de uso ZPI-1 (Zona preponderantemente industrial).

Se o uso residencial RV2 fosse permitido e o projeto desejasse utilizar o CA Máximo poderia construir 1.500 adicionais sendo a área computável de construção 3.000 + 1.500 = 4.500 m2

Quanto pagaria de contrapartida por m2 de área adicional adquirida?

Quadro VII. Contrapartidas pagas por m2 de área adicional adquirida nos casos de CA Máximo 1,5, 2,0 e 4,0

 Foto: Estadão

Fonte: pesquisa.

O quadro anterior mostra que se o terreno for utilizado para fins residenciais a contrapartida a ser paga por m2 adicional nos casos de apartamentos de até 50 m2 será de R$ 650,00 se o CA máximo 1,5 for utilizado; caso seja aprovado o CA Máximo 2,0 este valor cairia para R$ 487,00 e caso o CA Máximo aprovado fosse 4,0 a contrapartida diminuiria para R$ 243,00.

No caso de apartamentos de 51 m2 a 70 m2, os valores seriam respectivamente: R$ 731,00, R$ 548,00 e R$ 274,00; e no caso de apartamentos com mais de 70 m2 as contrapartidas seriam respectivamente R$ 812,00, R$ 609,00 e R$ 304,00.

No cadastro para fins de outorga onerosa o valor do m2 deste terreno é R$ 1.368,00. De acordo com os dados anteriores a construtora pagaria um máximo de R$ 812,00 e um mínimo de R$ 243,00 o m2 adicional adquirido, caso o CA Máximo 4,0 fosse aprovado. Se considerarmos que o valor de cadastro embora superior ao registrado na Planta Genérica de Valores é geralmente inferior ao preço de mercado dos terrenos podemos estimar a vantagem concedida às construtoras e incorporadoras. Seria o equivalente a comprar terrenos adicionais com até 80% de desconto!

Os valores indicados anteriormente ilustram bem as vantagens entregues aos proprietários de um terreno cujo CA Máximo passa de 1,5 para 4,0: o valor da contrapartida se reduz de maneira intensa. Pagando muito menos por cada m2 adicional adquirido e vendendo o m2 construído pelo mesmo preço o resultado será maior taxa de lucro para o empreendedor.

No caso de um projeto com 12.000 m2 de área computável utilizando o CA máximo 4,0 seria necessário um terreno de apenas 3.000 m2. Se terrenos com semelhantes indicadores já estiverem em mãos de construtoras e incorporadores é fácil concluir que se os novos índices forem aprovados os benefícios aos proprietários serão consideráveis.

Além dessa valorização por aumento do CA Máximo, os terrenos da área poderiam ser adicionalmente valorizados pela eliminação do gabarito de 28m e pela mudança de uso, especialmente do uso industrial, para o residencial e de comércio e serviços.

Se o PIU for aprovado, a valorização será embolsada pelos proprietários dos terrenos em grande constituída por empresas construtoras e incorporadoras.

 Um instrumento para a captura da valorização

Não há razão para entregar gratuitamente aos proprietários dos terrenos da área a valorização decorrente da mudança de índices urbanísticos existente no PIU Arco Pinheiros.

Nossa proposta é que a adesão aos novos indicadores seja voluntária, mas onerosa. Isto significa que se um proprietário de um terreno no qual o CA Máximo é 1,5 o gabarito 28m e o uso industrial, desejar adotar o CA máximo 2,0 ou 4,0 mudar o uso para residencial e/ou de comercio e serviços, e construir em altura eliminando o gabarito de 28m terá que pagar uma contrapartida pela valorização decorrente das mudanças adquiridas por seu terreno.

Se esse princípio for aceito formas de cálculo adequadas seriam elaboradas e inseridas no projeto do PIU Arco Pinheiros. Dessa forma, o poder público teria pelo menos condições de recuperar parte da valorização territorial que promove com a aprovação da lei.

Caso contrário entregará essa valorização gratuitamente aos proprietários dos terrenos localizados no interior do perímetro, e que obterão por essa via uma forma de enriquecimento sem justa causa.

Notas

[1] Entre outras destacam-se as seguintes: Mofarrej Empreendimentos Imobiliários, Savoy Imobiliária e Construtora, Vila Leopoldina Empreendimentos Imobiliários, Votorantim Empreendimentos Imobiliários, Plaza Mayor Empreendimentos Imobiliários, Yunes Participações e Administração, Cosenza Empreendimentos e Participações, e SVR Administração e Participações.

[2] Esse caso é interessante, pois revela uma mudança de uso de fabril para agrícola sem a necessidade de alterações na construção. O empreendimento implica em maior produtividade por m2 de construção, redução de custos de produção, menor consumo de água, menor uso de defensivos e fertilizantes e especialmente redução de custos de transporte até os locais de consumo.

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