Roberto Seara Pojo Rego, Graduação em Ciênci Políticas (UnB). Servidor público da carreira de Especialista Políticas Públicas Gestão Governamental do Ministério Economia e ocupa a função de Coordenador-Geral substituto da Coordenação Geral de Inovação em Gestão (CGGIN), da Diretoria de Transformação Governamental (DTGOV), da Secretaria de Gestão (SEGES), do Ministério da Economia. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Pública. Foi presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP)
José Celso Cardoso Junior, Graduado em Economia (FEA/USP), Mestrado em Teoria Econômica e Doutor em Desenvolvimento (com especialização em Economia Social e do Trabalho), ambos pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP). Desde 1997 é Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Atualmente, atua como presidente da Associação dos Servidores do Ipea e Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea
Princípios
Tema relegado para segundo plano, e muitas vezes de difícil compreensão por parte de tomadores de decisão de altos escalões, a gestão de força de trabalho no poder público é uma pauta estratégica para melhoria na entrega de serviços à população. Entre os muitos assuntos relevantes nessa temática, como planos de carreira ou política salarial, o gerenciamento e controle do trabalho no governo é um ponto essencial, geralmente tratado como assunto rotineiro. No entanto, com os recentes desafios impostos pela agenda nacional e internacional, aliados aos avanços tecnológicos disponíveis, tivemos um salto de qualidade para transformar as rotinas de trabalho no poder público, avanço esse que precisa continuar.
O programa de gestão está previsto desde 1995, mas só começou a se espalhar na administração pública federal a partir de 2014, como forma de disseminação do teletrabalho. Com a pandemia de 2020, o trabalho remoto foi uma solução legal emergencial criada para responder à necessidade de continuidade por boa parte da administração. A emergência da pandemia abriu uma janela de oportunidade para transformar a administração pública federal. O PGD foi reformulado em 2020 e trouxe a possibilidade de se estabelecer um conjunto de normativas que autorizam o processo de pactuação e controle da força de trabalho do governo por meio de metas e resultados em substituição ao controle de frequência. Ao invés de limitar a gestão de recursos humanos federais ao mero controle de folha de ponto, o PGD criou, de maneira incremental, as bases para uma nova forma de gerenciamento e entrega de serviços pelos servidores públicos federais.
Com isso, criou-se a oportunidade de aumentar a transparência sobre as atividades realizadas pelo conjunto da força de trabalho do governo, até o nível de metas individuais, entregas e relações de interdependência nos trabalhos em equipe. Mais que isso, há uma nova possibilidade de ampliar e verificar a aderência entre esse conjunto de atividades e os programas, projetos, prioridades e objetivos de órgãos, entidades e do governo. E se o PGD não se apresenta como um antídoto contra o histórico e persistente absenteísmo da máquina pública, ele ao menos oferece um meio de tornar evidente as áreas nas quais este ocorre, facilitando sua correção.
Legalmente, tal iniciativa se apoiou no §6º do art. 6º do Decreto Nº 1.590, de 1995 que autorizava a administração federal realizar a pactuação de metas entre chefias e servidores, para gerenciamento das entregas de serviços governamentais. No entanto, no contexto da emergência sanitária, a necessidade de transição quase instantânea das rotinas presenciais para atividades remotas resultou na edição e implementação da IN nº 65/2020 que regulamentou as atividades do PGD. Esta IN não criou obrigatoriedades de adesão por parte de órgãos ou entidades, nem unificou suas formas de implementação. Do contrário, permitiu a produção de soluções customizadas às respectivas realidades de cada unidade, gerando experiências diversas ao longo dos últimos 2 anos.
E foram muitos os resultados positivos colhidos desde o início dessa implementação. O PGD resultou em inovações nos arranjos de trabalho, permitindo outras formas de execução espacial (presencial, teletrabalho e híbrido), e temporal (síncrono e assíncrono). Com isso, ampliou a capacidade de atração e manutenção de talentos por parte de órgãos e entidades, gerou novas formas de entregas de serviços, além de resultar numa melhoria da qualidade de vida para a maior parte dos servidores e servidoras que dele participam. Entre as muitas mudanças, a perspectiva de manutenção das formas de teletrabalho obrigou órgãos e entidades a repensarem seu espaço físico, liberando salas e edifícios, compartilhando espaços, e reduzindo custos desnecessários por parte da administração.
Condições
No entanto, em função da rapidez com que essas mudanças precisaram ser realizadas no contexto da emergência pela sua implantação, uma série de desafios emergiram para ampliar ainda mais os benefícios produzidos pelo PGD. Por exemplo, é notável o enorme potencial no uso das informações (agora 100% digitais) produzidas pelos sistemas de gestão, que ainda são subutilizadas, como a produção de informações quantitativas sobre os resultados da implementação do PGD; em muitas unidades, o PGD ainda é tratado apenas como elemento de gestão de pessoas (RH), desconectado da estratégia dos órgão e entidades; muitas chefias tiveram dificuldades para compreender as novas modalidades de gestão por desempenho das equipes, apoiando-se em modelos tradicionais de gestão e controle, mesmo em contextos de teletrabalho ou trabalho hibrido.
Outro exemplo vem dos desafios de implantar uma cultura capaz de gerenciar a produtividade individual e de equipes. Em muitas unidades que aderiram ao PGD, o foco dos dirigentes priorizou a verificação e comprovação de metas e geração de relatórios, os quais acabaram sem muita utilidade para uma melhor gestão da força de trabalho e dos resultados concretos das equipes. É importante ressaltar que o combate ao absenteísmo segue como um desafio para os dirigentes, o qual o PDG não é um antídoto, mas pode auxiliar o seu enfrentamento ao ampliar a transparência na gestão de atividades, produtividade e entregas, individuais e coletivas.
Tais dificuldades apontam para diversos potenciais e melhorias que o PGD pode ter, aumentando ainda mais sua capacidade de entrega de resultados. É notável que o potencial aumento na capacidade das chefias para melhorar a gestão e gerenciamento dos resultados de suas equipes. A adequação por meio de tabelas de atividades customizadas amplia as possibilidades de alinhamento de entregas com a estratégia dos órgãos e entidades, até às cadeias de valor. Dessa forma, há um enorme potencial de ir além do mero controle de frequência, avançando em direção ao gerenciamento de metas, resultados, e a produtividade individual e coletiva. Tais possibilidades de integração também contribuem na redução dos riscos de hiper fragmentação ou super individualização de agendas, evitando o potencial descolamento de agendas individuais em relação às prioridades dos órgãos e entidades, os objetivos setoriais, e as prioridades de governo.
Nota-se um enorme potencial para ampliar decisões baseadas em evidências, utilizando sistemas informatizados e modelos de dados com algum nível de uniformização entre as unidades. Mais que folhas de ponto, há uma avenida para ampliar o gerenciamento e avaliação do desempenho da unidade, agregando informações do resultado a partir do nível individual até o da unidade, órgão ou entidade. Tal processo permite aumentar a transparência de atividades e entregas da APF, bem como o engajamento das equipes.
Outros efeitos, mais no âmbito do gerenciamento de força de trabalho, incluem o aumento da capacidade no redimensionamento de equipes, o melhor aproveitamento das competências individuais disponíveis, a ampliação na retenção de talentos, especialmente num cenário de escassez de concursos públicos e de movimentação entre os órgãos, a flexibilidade do teletrabalho pode atrair talentos e retê-los em equipes que, no modelo tradicional, não seria possível. Há uma ampla agenda a ser desenvolvida com cada órgão ou setor para buscar desenvolver novos arranjos internos de gestão. Isso passa por possibilidades de flexibilização e compartilhamento de espaços físicos, experimentação com novas dinâmicas de convivência presencial ou híbrida, além da produção mais efetiva de resultados, do ponto de vista individual e coletivo. Está aberta a possibilidade de se criar uma nova prática de gestão, muito além da lógica individualista ou punitivista.
Diretrizes
As transformações tecnológicas aliadas aos processos de mudança no mundo do trabalho são um imperativo para modernizar a operação e gestão da administração pública brasileira. Esse cenário está colocado como uma grande oportunidade para proporcionar ao Governo Federal melhorias estratégicas nos seus processos de gestão e entrega de serviços. Não há dúvidas de que as condições nas quais o PGD foi criado não eram as ideais e que ainda há muito o que progredir com esse programa. Ainda assim, o PGD se apresenta como uma oportunidade ímpar de seguir o processo de aprendizado, transformação e melhoria já em curso, mas ainda com muito potencial inexplorado. Para que estes aconteçam, há uma clara agenda de ampliação e melhoria de fácil implementação no curto prazo.
O novo governo pode, e deve, se aproveitar dessas oportunidades para dar a sustentação gerencial que as novas políticas públicas irão demandar. Melhorar a gestão por meio da pactuação e entrega de resultados é a essência do PGD, e ela pode ser estratégica para todas as demais transformações que o país necessita.
* Este texto contou com a contribuição de Fernando Kleiman, servidor público da carreira de Especialista Políticas Públicas Gestão Governamental do Ministério Economia e Doutor em Engenharia de Sistemas e Serviços (com ênfase em Jogos Sérios) pela Universidade de Tecnologia de Delft, onde é professor de Processos de Gestão Digital.
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