Felipe Calabrez, Doutor em Administração e Governo pela FGV EAESP, Professor de Economia na Faculdade Belas Artes e Coordenador de Pesquisa da Fundação Podemos
Na noite de 06 de julho, quinta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação em 2 turnos, a tão falada e tão aguardada PEC da Reforma Tributária. A votação é tida como histórica, pois o assunto é debatido desde a constituinte. E se há um consenso no Brasil, é o de que nosso sistema tributário é péssimo, injusto e ineficiente. Enfim, abriu-se caminho para uma alteração da estrutura do sistema tributário brasileiro.
Mas afinal, o que foi aprovado e como isso te afeta?
O cerne da proposta aprovada na Câmara, que ainda passará pelo Senado, promove a unificação de 5 tributos em apenas 2. Cria-se assim o CBS (Contribuição sobre bens e serviços), fruto da unificação de: PIS, COFINS, IPI. Este segue sob competência da União. E cria-se também o IBS (imposto sobre bens e serviços), fruto da fusão entre ICMS, que é estadual, e o ISS, municipal. O IBS será gerido por um Conselho Federativo composto por representantes dos estados e municípios e suas regras de funcionamento e composição geraram enorme controvérsia, exigindo intensa articulação que se arrastou até poucas horas antes de abertura da votação.
O funcionamento desse sistema de tributos é baseado no IVA (Imposto sobre valor adicionado), que possui ampla experiência internacional. Ele funciona pelo princípio da não-cumulatividade e terá cobrança no destino, isto é, será efetivamente pago apenas pelo consumidor final e no local, município e estado, onde esse consumo se realiza. Isto pode gerar um impacto direto nos os estados "produtores", mas como quase todos os cálculos que subsidiaram os debates, também este é permeado por controvérsias. De todo modo, algum impacto haverá, o que explica por que o governador de São Paulo pegou um avião e foi a Brasília na véspera da votação conversar com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP) e com o presidente da Casa, Arthur Lira.
O impacto que essa transição para o destino poderá produzir em alguns estados será suavizado por um longo processo de transição, que se iniciará em 2026 e se completará totalmente apenas em 2078. A proposta prevê também a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que contará com aportes progressivos da União a fim de compensar possíveis perda a estados. Vale dizer que os detalhes dessas duas medidas - transição gradual e aportes da União para o FNDR ainda dependerão do que for negociado no Senado. No entanto, como já adiantam especialistas, sua vantagem é acabar com a guerra fiscal entre os estados.
Estima-se que, se aprovada sem exceções, as alíquotas do CBS e do IBS fiquem em torno de 25%. Como as negociações políticas acabam produzindo exceções para certas regiões e casos específicos, é possível que fique um pouco maior, em torno de 30%, mas isso também será definido por lei complementar.
Mas o que já se sabe?
O que temos definido até agora então é a criação de dois impostos, CBS e IBS, resultado da fusão de vários outros impostos, que serão gradativamente extintos, e que terão alíquota uniforme (a ser definida por lei complementar), que deve ficar entre 25% e 30%.
Haverá também uma espécie de regime favorecido, com IVA reduzido em 60%. Ao final de muita pressão e negociação ficou estabelecido que ele funcionará para os seguintes setores:
- Educação
- Saúde
- transporte coletivo
- dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência
- medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
- produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura
- insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal
- produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais.
Haverá também Alíquota zerada para produtos da cesta básica, com itens a serem definidos por lei complementar. Aqui vale ficarmos atentos pois certamente haverá enorme pressão para inclusão de itens de todo tipo.
Com isso teremos então três alíquotas: Uma zerada, para itens da cesta básica, uma com um redutor de 60% para os setores acima definidos, e uma cheia, para as demais atividades. Foi criado também o imposto seletivo, que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais ao meio ambiente.
A grande promessa dessa reforma é simplificar o sistema, aumentando a eficiência econômica e reduzindo a quantidade de litígios tributários. Lembrando que tudo isso não mexe - ou mexe muito pouco - com a justiça tributária e com a regressividade do sistema. Não ataca de frente o principal problema do Brasil, que são nossos inaceitáveis níveis de desigualdade de renda. É verdade que alguns mecanismos nesse sentido foram pensados, como a alíquota zerada para itens da cesta básica e o cashback, que poderia inserir alguma progressividade nos impostos sobre o consumo ao realizar a devolução para famílias de baixa renda. Essa devolução poderia ser feita no ato da compra ou posteriormente, o CadÚnico poderia viabilizar o mecanismo, mas seus detalhes ainda estão indefinidos.
Ainda assim, a reforma representa um grande avanço e promete tirar o Brasil do ranking daqueles que possuem o pior sistema tributário do mundo.
A próxima fase da reforma irá lidar com questões de patrimônio e renda e será um duro teste de forças para a esquerda parlamentar, que votou inteiramente favorável a essa primeira fase, alinhada com boa parte do centro e da direita tradicional, ajudando a isolar as forças bolsonaristas do Congresso.
Diversos parlamentares favoráveis à proposta reivindicaram a paternidade da reforma tributária. "Esta não é uma proposta do governo. É uma proposta do Parlamento", entoaram na tribuna. Resta saber que reforma este mesmo Parlamento será capaz de entregar para encarar as inaceitáveis injustiças tributárias que perduram nesta que é uma das democracias mais desiguais em distribuição de renda do mundo. Em jogo está também como a terceira experiência de um governo Lula entrará para a História.
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