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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Somente corrigir os valores das "bolsas" não é o suficiente

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Por REDAÇÃO
 Foto: Estadão

Deivison Henrique de F. Santos. Cientista Social e Mestre em Ciência Política pela UFPR. Atua como assistente de projetos de responsabilidade social. Foi bolsista Capes, CNPq, FNDE e Fundação Araucária

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Murilo Brum Alison. Cientista Social, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela UFPR. Atua como jornalista de dados. Foi bolsista Capes, CNPq e FNDE

Com a retomada no país de certo grau de racionalidade após o início do terceiro governo Lula, tem-se discutido, no âmbito dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, a necessidade de corrigir os valores pagos a pesquisadores vinculados às principais instituições federais de fomento a pesquisas no Brasil, Capes e CNPq.

Hoje, as bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado contam com um valor de, respectivamente, R$400, R$1500 e R$2200. Tais quantias não são corrigidas desde o ano de 2013 e já perderam 75% do poder de compra, segundo a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). O atual governo federal tem demonstrado interesse em atualizá-las, mas sem contemplar a perda provocada pela inflação - o valor de reajuste divulgado até o momento é de 40%.

Essa informação provoca profunda decepção. O mínimo esperado de uma gestão que afirma valorizar a ciência era a correção dos valores das bolsas considerando a inflação dos anos anteriores. No entanto, o que se vê é um esforço tímido e que está longe de ser o suficiente para a real valorização dos pesquisadores e pesquisadoras do país.

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A bolsa é o salário do pesquisador, que deve ser tratado não como estudante, mas sim como profissional da ciência. Como salário - e isso vale para todas as categorias profissionais -, os valores das "bolsas", da iniciação científica ao pós-doutorado, deveriam passar por uma valorização real, acima da inflação, e com o estabelecimento da obrigatoriedade de correção anual.

Entendendo a bolsa como salário, os pesquisadores e as pesquisadoras também deveriam ganhar acesso a outras garantias que, até o momento, não possuem. Para se ter uma ideia, um pesquisador brasileiro tem menos direitos do que um profissional PJ, que, muitas vezes, é considerado como um dos trabalhadores mais precarizados do país. Um PJ, ou MEI, ao menos tem acesso a algumas garantias básicas, como aposentadoria, auxílio maternidade e afastamento remunerado por doença. Direitos com os quais mestrandos e doutorandos não podem contar.

É importante dizer que a pessoa que passa pelo mestrado e doutorado dedica, no mínimo, seis anos da vida para o desenvolvimento da ciência brasileira. Sem os direitos supracitados, o indivíduo fica desamparado caso tenha uma doença grave. Para mulheres, uma gravidez pode significar o fim da carreira científica. Além disso, são seis anos sem férias e recheados de incertezas, já que o pagamento da bolsa/salário, a depender do governo, pode sofrer atrasos ou até suspensões momentâneas. Tudo isso, ressalte-se, interfere sobremaneira na saúde mental de quem escolhe essa nobre carreira.

No Brasil, também é comum ver pesquisadores tendo que fazer jornada dupla, uma na ciência e outra no mercado, para garantir o sustento no final do mês. Essa jornada é consequência tanto da desvalorização quanto da falta de bolsas/salários, o que desmotiva e impede o pesquisador de trabalhar exclusivamente para a ciência. Portanto, aumentar o número de bolsas/salários destinadas aos programas de graduação e pós-graduação é outra tarefa indispensável, ainda mais visto o enorme corte realizado nesse setor pelo governo Bolsonaro.

Na impossibilidade de haver bolsas/salários para todos e todas, a Capes e CNPq deveriam criar incentivos para que os programas de pós-graduação distribuam os valores adquiridos não apenas pelo mérito de quem se candidata, mas, também, considerando critérios como raça, gênero, classe social e condição PCD, de modo a promover a democratização de um espaço ainda tão elitizado.

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Outro elemento a se levar em consideração é a formulação de políticas públicas que criem estímulos à formação e ao fortalecimento de centros de pesquisas da sociedade civil organizada e da iniciativa privada. Isso pode ser realizado de maneira a estimular a absorção de mestres e doutores recém-formados, sobretudo tendo em vista que nem todo pesquisador deseja seguir pela carreira docente - tarefa a ser concretizada sempre com regulação e controle, para que a relação entre público e privado não seja prejudicial para nenhuma das partes.

Essas são apenas algumas questões que devem ser prontamente discutidas pelas autoridades em conjunto com a comunidade acadêmica. De toda forma, é relevante que a atual administração do país esteja ciente de que as pesquisadoras e os pesquisadores brasileiros não vão se contentar, mais uma vez, com migalhas.

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