Pedro Nascimento, Cientista Político, Mestre em Ciência Política/UFCG e Doutorando em Ciência Política, pela Universidade Federal de Pernambuco, onde desenvolve pesquisa sobre transparência, accountabilty, democracia e políticas públicas
Duília Dalyana Ribeiro Santos da Nóbrega, Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutoranda em Ciência Política pela UFPE. Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual da Paraíba
A competição eleitoral é marcada por interesses políticos de diferentes naturezas. O antagonismo e o pluralismo de ideias permeiam o ambiente e de longe representam uma virtude para a manutenção dos postulados democráticos. Não obstante, a adesão às regras democráticas depende, de sobremaneira, não apenas do respeito entre os próprios atores políticos, mas requer uma sociedade que aceite que, em eleições livres e competitivas, o respeito à oposição é indispensável.
Em "Poliarquia", Robert Dahl, um dos cientistas políticos mais referendados pela teoria democrática contemporânea, discute sobre a importância da competitividade entre os governos e seus oponentes, necessariamente, trata-se de um elemento chave para o processo de democratização dos países. Em eleições idôneas, o Estado Democrático de Direito precisa de participantes tolerantes, que sejam capazes de preservar a integridade daqueles que possuem preferências políticas distintas.
No Brasil, a exemplo, os valores e princípios que são caros a democracia são constantemente infringidos, impedindo assim, um amadurecimento democrático. Segundo dados do Varieties of Democracy (V-Dem), desde o período da redemocratização até o ano de 2021, o Brasil registra elevados números de violência política, praticados por pessoas que não ocupa cargos públicos, com destaque para os períodos eleitorais, conforme destacado no Gráfico 1.
Gráfico 1 - Violência Política praticada por atores não estatais
Elaborado pelos autores com base nos dados do V-Dem
Vale ressaltar que o ano de 1988 registrou um total de 2.997 casos de violência política. Essa evidência pode ser interpretada como sendo resquícios do período autoritário que durou até o ano de 1985. O que se percebe em seguida é uma queda acentuada nos números, que se segue até o ano de 2010, com destaque para os períodos de 1993 a 2002 e 2003 a 2010 que se mantiveram inalterados (isso não significa ausência de violência política, mas que, os números permaneceram estáveis).
Porém, em 2011 os casos de violência voltaram a crescer, sendo esse o ano que antecede as eleições municipais de 2012. Aqui cabe destacar os vários protestos que tomaram as ruas do Brasil, onde a população protestava contra comportamentos de determinados políticos, exigindo mudança de postura. O crescimento do número de violência política continua a acontecer de forma vertiginosa, chegando a um aumento de mais de cem por cento em 2018 (ano das eleições presidenciais). Dentre as muitas violências políticas praticadas nesse período, destaca-se o atentado ao então candidato à presidência da república, Jair Bolsonaro, que sofreu um ataque com arma branca. Em seguida, os números continuam estáveis, permanecendo assim até 2021.
Os dados apresentados até o momento, permitem duas importantes conclusões. Mesmo o Brasil sendo um país em que a política pulsa na veia dos brasileiros, ocorreu uma queda acentuada nos casos de violência política, entre 1988 e 2010, o que chama bastante atenção, levando a crer que estávamos caminhando rumo a uma democracia mais consolidada, do ponto de vista dos direitos políticos e civis. Contudo, o cenário que se segue nos faz repensar essa teoria e nos mostra que nossa democracia ainda continua "frágil". Trata-se exatamente do aumento da violência política que passa a acontecer em 2010. No geral, esse advento pode ser explicado por vários fatores. Um deles é a polarização política que passa a dominar o cenário político brasileiro, onde as pessoas começam a dividir-se em grupos, tornando-se intolerantes ao pensamento, escolha e opinião divergente, chegando ao ponto de cometer atos violentos até mesmo entre os próprios familiares.
Em 2022, segundo dados do Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil, de janeiro a junho do corrente ano, já foram registrados casos de violência política em todos os Estados brasileiros, sendo eles praticados contra políticos que estão em exercício de mandato, pré-candidatos, ex-políticos, ex-candidatos e funcionários da administração pública, sendo os tipos de violência divididos em ameaça (41%), agressão (20%), homicídios (19%), atentado (13%), homicídios de familiar (5%) e atentado contra a família (2%).
Porém, os casos de violência política registrados em 2022 não se restringem apenas aos grupos já citados acima. As pessoas estão se enfrentando e se matando por motivações políticas. Um exemplo trágico foi o caso do agente penitenciário que invadiu a casa do vizinho, quando comemorava seu aniversário, com temática que fazia alusão ao PT. Segundo investigação, o assassinato teve motivação política, tendo em vista que o atirador entrou proferindo palavras de ordem, de apoio ao atual presidente da república.
Em síntese, precisamos repensar a polarização que vem se intensificando no cenário político brasileiro. Na verdade, a divergência de ideias, opiniões diferentes, escolhas e gostos distintos fazem parte de uma cultura democrática. Porém, quando essas diferenças não são mais toleráveis e chega ao ponto do cometimento de agressões, a democracia passa a ser a principal vítima.
Referências
DAHL, Robert. La poliarquía. Participación y oposición, 1971.
DADOS. Varietes Of Democracy, 2021. Disponivel em: https://www.v-dem.net/data_analysis/CountryGraph/>. Acesso em: 06/09/2022.
OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA E ELEITORAL NO BRASIL. Boletim Trimestral, Rio de Janeiro, n. 9, janeiro-março, 2022.
OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA E ELEITORAL NO BRASIL. Boletim Trimestral, Rio de Janeiro, n. 10, abril-junho, 2022.
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