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‘Gilmarpalooza’: viagens de autoridades e servidores já custaram R$ 1,3 milhão em dinheiro público

Ao todo, 160 autoridades dos três Poderes e ao menos 20 assessores foram à capital ibérica para o evento promovido por Gilmar Mendes, a maioria deles com custos pagos pelo contribuintes; custo tende a crescer conforme pagamentos sejam feitos

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Foto do author Tácio Lorran
Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA - Os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo já pagaram pelo menos R$ 1,34 milhão em diárias e passagens a servidores públicos e autoridades que viajaram à Europa para o 12º Fórum Jurídico de Lisboa, conhecido em Brasília como “Gilmarpalooza”.

O evento é organizado por instituto de ensino superior do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, e ocorreu entre quarta, 26, e esta sexta-feira, 28, na capital portuguesa. O levantamento do Estadão é parcial, com base nas informações já publicadas: o valor final tende a aumentar. Procurados, os órgãos confirmaram as informações e detalharam as agendas de seus representantes.

O ministro Gilmar Mendes no Fórum Jurídico de Lisboa deste ano Foto: orumdelisboa.com/2024Via Facebook

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Nos últimos anos, o evento na capital portuguesa se tornou um dos mais importantes do calendário político brasileiro. Ao longo desta semana, o Congresso ficou esvaziado – funcionando em regime remoto – e o Supremo Tribunal Federal (STF) antecipou sessões do plenário para que ministros pudessem viajar a Portugal. Ao todo, 160 autoridades dos três Poderes e ao menos 20 assessores foram à capital ibérica para o evento promovido por Gilmar Mendes. A maioria deles com custos pagos pelo contribuinte.

A programação oficial inclui três dias de palestras na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, uma instituição pública de ensino criada em 1913. De 318 palestrantes confirmados, 265 são brasileiros (84%). Outros 44 são portugueses e só 9 são de outras nacionalidades. O evento é organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), do qual Gilmar Mendes é sócio, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Universidade de Lisboa. Para além das palestras, o evento é famoso pelas conversas de bastidores, jantares e coquetéis oferecidos por empresas.

Só em diárias, o valor desembolsado chega a R$ 1,2 milhão. O pagamento foi feito a pelo menos 78 pessoas, entre servidores, políticos, seguranças, ministros de Estado e membros do Poder Judiciário. A conta tende a aumentar: os dados consultados pela reportagem estão atualizados até o dia 26 de junho, o que significa que nem todos os pagamentos aparecem nas ordens bancárias.

Quanto às passagens, não é possível saber o montante gasto até agora. O Estadão conseguiu identificar apenas R$ 140 mil, referente a 13 autoridades. Neste caso, a maioria dos portais da transparência ainda não publicou informações sobre o mês de junho, o que dificultou o levantamento dos dados.

Para chegar aos números, o Estadão combinou informações do Diário Oficial da União; da lista de palestrantes do Fórum Jurídico; das ordens bancárias do Siafi; dos portais da transparência e de documentos do Sistema de Concessão de Diárias e Passagens (SCDP).

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O IDP informou que o fórum não custeia passagens nem hospedagem dos participantes. No entanto, a FGV, que também faz parte da organização do evento, pagou parte dos custos de viagem do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues. Em 2022, a FGV foi alvo de investigação da Polícia Federal, sob a suspeita de fraude em licitação e corrupção de agentes públicos. A PF chegou a deflagrar uma operação para investigar a instituição de ensino, com buscas nas sedes de São Paulo e do Rio.

Outros cinco ministros da Suprema Corte viajaram a Lisboa, mas não informaram quem custeou suas passagens. Procurada, a FGV decidiu não comentar.

O órgão com maior número de enviados a Lisboa que aparecem nos dados é a Câmara dos Deputados, com 25 pessoas. Desse total, 21 são parlamentares, incluindo o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Juntos, eles receberam R$ 257,8 mil em diárias. Nem todos tinham palestras no fórum, mas aproveitaram o evento para fazer política. Todos os candidatos à sucessão de Lira na Presidência da Câmara viajaram ao Velho Continente.

A Câmara desembolsou ainda R$ 95,6 mil em diárias a quatro servidores, incluindo o diretor da Polícia Legislativa da Câmara, Paul Pierre Deeter, e o policial legislativo Romulo Sofocles de Almeida Panza, responsáveis pela segurança de Lira. A Casa ainda não publicou os custos das passagens. Procurada, indicou realizar uma demanda via Lei de Acesso à Informação (LAI), que estipula um prazo de até 30 dias para respostas.

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Por sua vez, o Senado pagou R$ 105,4 mil em diárias a seis senadores, entre eles o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), e o presidente do PP, Ciro Nogueira. O presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) estava na programação oficial do evento, mas não viajou a Lisboa.

Nove* ministérios do governo Lula, além da Polícia Federal, enviaram representantes a Portugal. Os gastos de sete deles chegam a R$ 150 mil somente em diárias. Cinco ministros de Estado participaram do evento – Alexandre Silveira (Minas e Energia), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Anielle Franco (Igualdade Racial), Vinícius Carvalho (CGU) e Jorge Messias (AGU). As outras Pastas – Transporte*, Educação, Desenvolvimento Social e Cidades – enviaram representantes.

A Presidência da República realizou o pagamento também de R$ 12,2 mil em diárias para dois seguranças do ex-presidente Michel Temer (MDB). O político participa de uma mesa na tarde desta sexta-feira com o tema “O que fica do Presidencialismo de Coalizão?”.

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A lista inclui ainda 18 diretores, procuradores e presidentes de sete agências reguladoras: Anatel, ANA, Aneel, ANS, Antaq, ANTT e Anvisa. As diárias de 12 deles custaram R$ 217,6 mil aos cofres públicos.

Já o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) desembolsou R$ 56 mil em diárias e R$ 46 mil em passagens para a ida à Europa do presidente, Alexandre Cordeiro, do superintendente, Alexandre Barreto, e de três conselheiros. Eles aproveitaram a viagem, no entanto, para participar de um workshop em Barcelona, e de uma missão em Creta, na Grécia.

No caso do Poder Judiciário, três juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) ganharam R$ 85,3 mil em diárias e três desembargadores dos tribunais regionais federais da 2ª Região (TRF-2) e da 4ª Região (TRF-4), R$ 49,1 mil. Não há dados do STF, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que enviou 13 ministros – e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O Ministério Público Federal (MPF), que enviou Paulo Gonet, atual procurador-geral da União, e Augusto Aras, ex-procurador-geral da União, também ainda não publicou as informações.

Órgãos detalham os custos

A reportagem do Estadão procurou todos os órgãos públicos cujos servidores e representantes foram mencionados nesta reportagem. Vários deles responderam com detalhes sobre as viagens de seus integrantes a Lisboa.

A Controladoria-Geral da União explicou que o ministro Vinicius Marques de Carvalho estava em missão internacional na França antes da ida a Lisboa. O ministro “participou da abertura da reunião técnica do Grupo de Trabalho Anticorrupção do G20 (GTAC) e de sessão conjunta com a OCDE na última terça (25/06). O GTAC do G20 é coordenado pela CGU e copresidido pela França. Após os compromissos na França, o Ministro foi a Portugal para palestrar no Fórum Jurídico de Lisboa sem a companhia de qualquer assessor”, disse a pasta.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) detalhou as agendas da ministra Luciana Santos na capital portuguesa. “A ministra, Luciana Santos está em Portugal para uma série de agendas na capital Lisboa, até o dia 29 de junho. Ela está acompanhada pelo assessor internacional do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Carlos Matsumoto. No XII Fórum Jurídico de Lisboa, a ministra participou na terça, (25) da mesa de debate sobre Inteligência Artificial – um tema estratégico para o ministério, que é o responsável pela elaboração do Plano Nacional de Inteligência Artificial (PBIA)”, disse a pasta.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, disse que seus representantes terão outras atividades em Lisboa além do Fórum do IDP. “Cabe destacar que os servidores da Agência participam de diversos compromissos no país, além do Fórum de Lisboa. Entre esses estão reuniões com a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes de Portugal (AMT), focadas em um acordo de cooperação técnica para o intercâmbio de dados, servidores e a realização conjunta de estudos em assuntos relacionados aos transportes terrestres”, disse a agência.

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O Senado Federal explicou que os congressistas “foram autorizados a participar do evento por requerimento dos parlamentares, encaminhados ao Presidente do Senado Federal”. Alguns deles tiveram todas as despesas cobertas pela Casa, disse o Senado, enquanto outros receberam apenas as diárias e o seguro-viagem. “Os senadores Jaques Wagner e Eduardo Gomes solicitaram ônus parcial com pagamento de diárias e seguro viagem pelo Senado Federal. Já a senadora Eliziane Gama e os senadores Ângelo Coronel e Ciro Nogueira requereram ônus integral, ou seja, com diárias, seguro viagem e passagens aéreas”, disse a Casa Alta.

A Anvisa disse que seus integrantes cumprem “agendas de fortalecimento das ações de vigilância sanitária” em Portugal, para além do Fórum Jurídico de Lisboa. A agência cita uma reunião com o embaixador brasileiro em Portugal, o ex-ministro do TCU Raimundo Carreiro; uma visita à empresa Tecnimed, do ramo farmacêutico; e uma reunião sobre o “andamento do Protocolo de Intenções do Acordo de Cooperação de Capacitação com a Universidade de Coimbra”, entre outros compromissos.

*Após a publicação da reportagem, o Ministério do Transporte informou que nenhum servidor da Pasta participou do Fórum. Acrescentou que as diárias chegaram a ser pagas, mas foram devolvidas.