A NBC news, rede de tv norte-americana, fez um “povo fala” sobre a denúncia oferecida pelo grande júri da Geórgia contra o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Trump foi indiciado por 49 acusações, entre elas conspiração e corrupção para tentar reverter os resultados das eleições presidenciais de 2020.
O "povo fala" é um recurso antiquado do jornalismo de televisão, em que pessoas são entrevistadas de modo aleatório e respondem sobre algum tema. O valor estatístico é nulo, mas serve para tornar mais dinâmica uma reportagem.
No caso da NBC, o “povo fala” foi usado para ilustrar o apoio que o ex-presidente americano tem recebido de seus eleitores, desde que tirou a mugshot, a foto de registro criminal, quando foi fichado na prisão de Fulton County. Em apenas um dia, o comitê de campanha de Trump arrecadou US 4,18 milhões com a venda de camisetas, canecas, com a foto de Trump.
Na reportagem da NBC, os entrevistados disseram que não estavam nem aí para o indiciamento, que votariam em Trump novamente, que são republicanos e não votam em Sleepy Joe (apelido dado ao atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que eventualmente aparece tirando cochilos- sleepy!- em eventos públicos.)
Na reportagem, ninguém demonstrou ter lido as 96 páginas, em que Trump foi acusado de corromper, conspirar, subverter a democracia, colocar a segurança do país em risco. É como uma inflexibilidade cognitiva e coletiva.
A inflexibilidade cognitiva se traduz por várias características, como a rotulação: republicanos são assim, democratas são assado e pronto. Na política americana, a polarização é partidária: ou o eleitor vota no partido democrata ou no republicano. A rigidez cognitiva se dá ao não considerar alternativas, além de Trump, assim como tirar conclusões definitivas, sem embasamento. No caso Trump, sem buscar informações sobre o processo da Geórgia e os outros tantos que envolvem o ex-presidente dos EUA.
Aqui no Brasil, nesta segunda-feira, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e faz tudo do ex-presidente Jair Bolsonaro, vai prestar novo depoimento à Polícia Federal, no inquérito que investiga atividades ligadas ao hacker Walter Delgatti Neto. Delgatti disse à CPMI que foi ao Palácio do Alvorada em agosto de 2022 e discutiu com Bolsonaro a possibilidade de invasão das urnas eletrônicas. A expectativa, seguindo os últimos passos de Mauro Cid, é de que ele fique em silêncio.
Essa é apenas uma das investigações que envolvem Bolsonaro. No caso dos kits de jóias, a Polícia Federal investiga por que o então assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara, enviou mensagem a Mauro Cid, dizendo: “o que já foi, já foi, mas se esse aqui tiver ainda, a gente certinho pra não dar problema, porque já sumiu um que foi com a Dona Michelle.”
Bolsonaro, Michelle, Mauro Cid e o advogado Frederik Wassef também devem prestar depoimentos simultâneos esta semana no inquérito que investiga esquema ilegal de negociação de joias.
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Independentemente do que concluírem as investigações, os radicais da polarização já tomaram partido: um lado culpa, o outro absolve, mesmo sem acompanhar depoimentos e ler páginas de denúncias.
A inflexível certeza do eleitor destoa da flexibilidade com que os políticos se movem. Inimigos de outrora viram aliados de primeira hora, e aliados são expulsos do jogo por questões, digamos, pragmáticas. Veja a seguir a reforma ministerial.
Por isso, aqui, nos Estados Unidos e alhures, eleitores precisam deixar as paixões e o radicalismo de lado se quiserem encarar a realidade dos fatos.
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