Quem foi que teve a ideia de deixar a organização de uma Conferência do Clima com um dos maiores representantes da indústria do petróleo? Sem preconceitos, sem vieses, mas...
... a tubulação estourou! O que era secreto, vazou. Documentos obtidos pelo Center for Climate Reporting em parceria com a BBC de Londres mostram estratégia dos Emirados Árabes para aproveitar a presença de lideranças mundiais em Dubai e discutir como impulsionar os combustíveis fósseis. Petróleo está na lista dos que mais emitem gases de efeito estufa, responsáveis pela crise climática.
A reportagem exibe um documento com foto da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em que diz que a petroleira árabe ADNOC também está buscando a ajuda do Brasil para obter aprovação para uma oferta não vinculativa feita com a empresa de private equity Apollo por uma participação majoritária na produtora de produtos petroquímicos Braksem.
"Garantir alinhamento e aprovação para o acordo no mais alto nível é importante para nós", diz o documento em uma página preparada para uma possível discussão com a Ministra Marina Silva.
"Existem muitas sinergias entre os Emirados Árabes Unidos e o Brasil - ambos os países buscam explorar seus recursos de hidrocarbonetos de maneira responsável", diz outro trecho do documento.
A ADNOC, estatal de Abu Dhabi fez oferta de R$10,5 bilhões pela Braskem, como parte de seus planos de internacionalização.
Leia mais
A COP28 será realizada entre 30 de novembro a 12 de dezembro. Desde a escolha do país, até a indicação de quem vai presidir a Conferência do Clima, a COP 28 está sob o peso de críticas. O presidente da COP, DR Sultal al-Jaber é o chefão da petrolífera ADNOC.
Assim que foi publicada a reportagem da BBC, um porta-voz da COP 28 disse que os documentos eram imprecisos, enquanto o órgão da ONU responsável pelo evento disse que espera que os anfitriões atuem sem vieses ou interesses próprios.
A equipe dos Emirados Árabes também falou à BBC e não negou que planeja usar as reuniões marcadas durante a cúpula para negociar acordos comerciais. O grupo acrescentou que “reuniões privadas são privadas” e recusou comentar sobre o que foi discutido em encontros de preparação para a COP, dizendo apenas que o trabalho dos Emirados Árabes, como país-sede, esteve focado em “ações climáticas significativas”.
O ambientalista Al Gore publicou em redes sociais que as chances de progressos na COP 28 foram seriamente atacadas, diante das denúncias.
O secretário-geral da ONU Antonio Guterres disse a repórteres que não acreditava que isso estava acontecendo.
Em entrevista coletiva sobre o plano de combate ao desmatamento do cerrado, a ministra Marina Silva disse que não tem controle sobre o que as pessoas colocam nas agendas dela. Enfatizou que nunca tratou de qualquer assunto que envolvesse a Braskem em reuniões preparatórias para a COP-28.
A Petrobras respondeu que não irá comentar o assunto.
Esta COP terá pelo menos um mérito: mostrar as idiossincrasias e paradoxos que envolvem o enfrentamento da crise climática.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.