A semana passada foi coisa de cinema.
Abertura da cena:
Primeiríssimo plano do painel da Câmara dos Deputados.
Narrador: O texto da reforma tributária está aprovado em dois turnos e pronto para a votação no Senado.
Corta.
Legenda: Dia 6 de julho
Áudio: som de alguém digitando em computador.
Primeiro plano: Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, se movimenta em Brasília, pela aprovação da reforma tributária.
Fusão.
Plano geral: Comissão de Educação do Senado.
Narrador descreve: A Comissão de Educação acaba de aprovar projeto que confere ao município de Lagoa Dourada, MG, o título de Capital Nacional do Rocambole. Projeto de lei do deputado federal Aécio Neves, do PSDB de Minas.
Corta.
Esse roteiro ruim não é peça de ficção e foi executado num dos dias mais dramáticos e que antecederam à votação na Câmara dos Deputados da reforma tributária.
Enquanto as negociações sobre o texto geravam dúvidas e ansiedade entre os interlocutores, numa comissão do Senado, Lagoa Dourada ganhava o título de capital do rocambole. Nada contra Lagoa Dourada. Tudo a favor de rocambole recheado de doce de leite. Uma delícia, como todos os quitutes das Minas Gerais, mas não era hora do lanche.
Questões paroquiais têm predominado no Congresso, mesmo em momentos decisivos para o País. Ora no fundo, ora no raso, o que move políticos são picuinhas, tretas, alianças regionais. E, consequentemente, o Pix das emendas parlamentares.
O país acompanha o faroeste da República de Alagoas. Vez por outra, os protagonistas, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Renan Calheiros, senador pelo MDB de Alagoas, roubam a cena.
Recentemente, a senadora Soraya Thronicke deixou o União Brasil e se filiou a outro partido, o Podemos. Alegou motivos locais, para ampliar a sua base. Outros parlamentares também se movem no mesmo sentido, de olho no Estado.
E a prioridade no momento é montar estratégias e fazer alianças para conquistar vitórias nos municípios, nas eleições do ano que vem.
O script que mescla até guloseimas e economia nacional vai se repetir em algumas semanas, com a última votação daquilo que chamam de arcabouço fiscal, regras criadas para tentar evitar descontrole nas contas públicas.
Todo roteiro, ainda mais na dramaturgia clássica, requer conflito, algo que o protagonista precisa superar. Essencial também é a curva dramática que sai de um ponto de repouso e cresce em direção ao clímax, quando o conflito atinge o cume.
Plano geral da sala de reuniões do PL:
Imagens tremidas de celular.
Primeiríssimo plano: Tarcísio de Freitas no microfone.
Corte seco.
Primeiríssimo plano: Jair Bolsonaro chora.
Fade (quando a transição entre um plano e outro se dá de forma gradual)
Primeiro plano no Ministério da Fazenda:
Foto: Fernando Haddad e Tarcísio de Freitas
Áudio: som do clique de câmera fotográfica
Fusão.
Plano geral: Plenário da Câmara dos Deputados
Primeiríssimo plano:
Deputados fazem live, transmitindo a votação.
Sobe som:
Meu eleitor, estou aqui no plenário votando por você, pela nossa cidade, pelo País.
Fade.
Se você não tem intimidade com o audiovisual, pode estranhar a sequência de planos, quando a câmera se aproxima ou se afasta, a descrição das cenas, a indicação de legendas. Não estranhe a repetição do roteiro que é espelho do nosso parlamento: muitos enredos rocambolescos e interesses paroquiais em primeiro plano com grandes projetos nacionais como pano de fundo.
Créditos na tela:
Direção: Arthur Lira
Produção Executiva: Presidente Lula
Roteiro: Fernando Haddad
Contabilidade: Alexandre Padilha
Estrelando: Tarcísio de Freitas
Elenco de apoio: Governador Romeu Zema (Novo-MG), governadores, prefeitos, Jair Bolsonaro chorando, deputados, rocambole de Lagoa Dourada
Participação especial: rocambole de Lagoa Dourada
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