Foto do(a) blog

Impressões, pensamentos, verdades e versões

Opinião | O buraco de Tarcísio

No jogo de poder, governador de São Paulo quer mudar o centro da reforma tributária; projeto pode virar um monstrengo

PUBLICIDADE

Foto do author Giuliana Morrone

Começou com um convite despretensioso, feito pela minha irmã, para mim e para a minha mãe. E eis que nos tornamos competidoras de alta performance do jogo de buraco. Escrevo no notebook, usando apenas uma das mãos, enquanto a outra está ocupada, segurando as cartas. No buraco, o objetivo é fazer sequências de cartas do mesmo naipe. Por essa regra, com 7 cartas sequenciais é feita uma canastra, essencial para vencer o jogo. Lixo é formado por cartas desprezadas pelos participantes. E há situações inusitadas, em que todos os jogadores querem a mesma carta, mas fingem não querer. É do jogo.

No jogo da reforma tributária, ainda no tempo de Paulo Guedes como chefe da Economia, Estados queriam que as mudanças fossem logo aprovadas e nem exigiam o tal Fundo de Desenvolvimento Regional. O Fundo promete compensar Estados pelo fim da guerra fiscal.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, terá encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre reforma tributária  Foto: Wilton Junior/Estadão

PUBLICIDADE

Nova rodada, novo governo, Fernando Haddad na economia já se comprometeu a bancar repasses para o Fundo, mas os Estados fingem que não querem as cartas da mesa.

É do jogo.

O que está por trás das disputas em torno da reforma tributária vai muito além de uma proposta definitiva para organizar e modernizar o caótico sistema de impostos do Brasil. Pela internet, compro aqui em Brasília um par de tênis de uma loja em São Paulo. A empresa emite nota fiscal eletrônica. Como a operação é interestadual, 7 por cento da venda ficam com são Paulo, 11 por cento para o Distrito Federal. A reforma acaba com essa barafunda. O total de impostos vai para o destino do par de tênis, o Distrito Federal.

Publicidade

A reforma tributária simplifica. Complicado é o poder, complicada é a política.

Estados comandados por opositores do governo Lula - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais (esse último, mineiro, na moita) - querem dar as cartas da mesa. O governador de Goiás diz que Estados não podem ser apenas carimbadores das decisões do governo federal. Precisam de autonomia.

Esses governadores atacam o centro da reforma tributária, o Conselho Federativo. O Conselho será responsável pela arrecadação do Imposto sobre Bens de Serviços (IBS) a ser criado na reforma para unificar o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).  No jogo de poder, São Paulo quer mudar pontos estruturais do conselho. O receio de governadores é perder poder, com a centralização do sistema nesse Conselho.

Tarcísio de Freitas, do Republicanos de São Paulo, chegou a Brasília para liderar as negociações. Vai se encontrar com o presidente da Câmara, Arthur Lira, que sabe dar as cartas, e já disse que o texto pode receber modificações. Se não ficarem atentos, a reforma pode virar um monstrengo, cheia de puxadinhos, buracos e remendos.

Desatenta no jogo, entreguei uma carta valiosa.  Minha mãe fez canastra.

Publicidade

Bateu.

Opinião por Giuliana Morrone

Giuliana Morrone nasceu no hospital da L2 Sul, em Brasíla. Para onde vai, leva a experiência de mais de 30 anos de jornalismo político e internacional. É especializada em ESG.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.