Lula usa ‘crentês’ e cantor gospel ‘cancelado’ em propaganda para se aproximar de evangélicos

Gestão petista gasta mais de R$ 473 mil para impulsionar anúncios no Facebook e Instagram, mas foca apenas no vocabulário e elenco; leia análise

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Foto do author Franco Iacomini
Atualização:

Entre os dias 11 e 17 de dezembro, o governo federal gastou R$ 473.426 para impulsionar 107 anúncios das contas @governodobrasil no Facebook e no Instagram, de acordo com relatório da Biblioteca de Anúncios da Meta. A maior parte desse conteúdo está relacionada com o Novo PAC e com a campanha “O Brasil é um só povo”, lançada pouco antes – o primeiro anúncio com essa hashtag aparece na Meta no dia 10.

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A campanha do “um só povo” é uma das ferramentas com as quais o governo pretende se aproximar do público evangélico. Nos vídeos, há pelo menos três momentos que parecem ter sido pensados com esse objetivo.

Na peça publicitária do Novo PAC, que parece ambientada em uma pequena cidade do interior, uma mulher diz “Graça alcançada, Senhor!” quando recebe a notícia de que o pai de sua neta conseguiu um emprego – “registrado e tudo” – em uma obra do governo federal.

No clipe do jingle “O Brasil é um só povo”, o pastor e cantor Kleber Lucas aparece como um dos intérpretes, ao lado de Manno Góes, Lellê, Sandra de Sá e de Jorge Vercillo (que não canta, apenas narra um trecho da mensagem do governo).

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Na peça publicitária do Novo PAC, uma mulher diz “Graça alcançada, Senhor!” quando recebe a notícia de que o pai de sua neta conseguiu um emprego em uma obra do governo federal. Foto: @GovernoDoBrasil via YouTube

No vídeo sobre o Bolsa Família, duas mulheres que não se dão bem se encontram no mercado. Uma compra um produto que o filho da outra queria, mas não tinha dinheiro para comprar.

— Fica tranquila. Meu benefício caiu hoje na conta — diz a que comprou, e mostra o cartão do Bolsa Família.

— Glória a Deus! — responde a outra, a inimizade dissolvida em sorrisos. — Olha, quando o meu cair, eu acerto contigo, tá?

“Graça alcançada” é uma expressão que remete tanto a católicos como a evangélicos, mas que reflete uma preocupação em tocar o coração da religiosidade popular dificilmente vista na publicidade governamental. Já o “Glória a Deus” é bordão inequívoco dos crentes.

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Dá para entender o objetivo da campanha. De acordo com pesquisa Ipec realizada na primeira semana de dezembro, é no público evangélico que Lula tem um de seus maiores índices de rejeição (35% de ruim ou péssimo, contra 30% na média geral). Com discursos intencionais voltados a esse público, a gestão anterior tinha números melhores.

Mas será que é pelo vocabulário e pelo elenco que a administração petista vai conseguir reverter a imagem ruim que tem frente aos cristãos protestantes?

A começar pelo casting: é de duvidar que a inclusão de Kleber Lucas venha a fazer bem à imagem de Lula nesse público. Justamente por aproximar-se do atual presidente, a quem apoiou publicamente em 2022, o pastor da Igreja Batista Soul já foi cancelado por muitos evangélicos. A reação negativa desse público ao recebimento do Prêmio Multishow por “Deus cuida de mim”, dueto de Kleber com Caetano Veloso, é amostra disso.

Publicidade do governo Lula faz aceno ao público evangélico, com o qual o presidente tem alta rejeição Foto: Wilton Junior/Estadão

Quanto ao “Glória a Deus”… É reconfortante saber que os publicitários do governo tentam falar “crentês”. Porém isso não significa muita coisa. Mais do que falar, é preciso fazer – os verdadeiros profetas serão reconhecidos por seus frutos (Mateus 7.16). E a Bíblia ensinou os crentes que muitos dos que ensaiam discursos para seduzir o público das igrejas “são falsos apóstolos, obreiros enganosos, fingindo-se apóstolos de Cristo”, conforme diz o livro de 2 Coríntios 11.13. O texto continua: “Isso não é de admirar, pois o próprio Satanás se disfarça de anjo de luz. Portanto, não é surpresa que os seus servos finjam ser servos da justiça. O fim deles será o que as suas ações merecem” (versículos 14 e 15). Claro, isso também vale para o governo anterior, que falava muito crentês, citava versículos bíblicos e não apresentava comportamentos dignos de verdadeiros cristãos.

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A publicidade pode dizer coisas encantadoras. Mas os discursos falam em ficar no poder para sempre e no orgulho de colocar um comunista no STF. Os evangélicos ouvem a ambos. Em quem irão acreditar?

/Franco Iacomini é jornalista do ‘Estadão’, mestre em Teologia e doutor em Comunicação e Linguagens

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