Dois dias após sancionar uma lei que garantia liberdade de expressão nas escolas do Estado do Rio, na quinta-feira, 20, o governador Cláudio Castro (PSC) mudou de ideia e decidiu vetar o projeto. A deputada estadual Alana Passos (PSL), partidária do presidente Jair Bolsonaro, comemorou nas redes sociais. Afirmou que Castro, que também é aliado do presidente e tem tentado agradá-lo, voltou atrás para atender a uma reivindicação sua. Mas a Constituição não permite que, depois de sancionar um projeto de lei, o governador o vete. Alertado de que cometia uma ilegalidade, o governador recuou nesta sexta-feira, 21. Tornou sem efeito o veto. A lei, portanto, segue em vigor.
O projeto de lei, de autoria dos deputados estaduais André Ceciliano (PT), que é presidente da Alerj, e Carlos Minc (PSB), estipula que todos os professores, estudantes e funcionários das escolas públicas ou privadas do Estado do Rio “são livres para expressarem pensamentos e opiniões no ambiente escolar, sendo assegurado o mesmo tempo, espaço e respeito para quem deles divergir, bem como a pluralidade de ideias”.
“Nós fizemos essa lei para nos contrapormos à campanha bolsonarista da ‘Escola Sem Partido’, que na verdade é a escola sem liberdade”, conta Minc. “E chamamos nossa lei de ‘Escola sem Mordaça’. A campanha bolsonarista estimulava os estudantes a filmarem seus mestres e depois levarem aos pais ou a algum parlamentar bolsonarista para mostrar que os professores estavam falando de ditadura, racismo, destruição da Amazônia, de LGBTs, para alguns pais dizerem ‘não quero meu filho doutrinado em sala de aula’.”
Segundo o parlamentar, alguns professores de escolas particulares foram demitidos por causa dessas delações. Por isso, contou, propuseram alei afirmando o princípio da liberdade de cátedra, liberdade de expressão, do contraditório, “coisa que vem do Iluminismo”, lembrou.
Para impedir as filmagens não autorizadas de professores, o projeto previu que “no ambiente escolar, profissionais da educação e estudantes só podem ser filmados ou gravados mediante autorização expressa de quem será filmado ou gravado ou de seu responsável”, excluídas as aulas online.
A última versão do projeto, segundo Minc, foi debatida com o deputado Marcio Pacheco (PSC). Ele é líder do governo e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Alerj. O projeto foi aprovado por 37 a 25.
Descontentes com a regra de só poder gravar professores com a sua autorização, deputados bolsonaristas cobraram do governador o veto à lei. Para Alana Passos, ao impedir gravações nas salas de aula, o projeto tira o direito de crianças e adolescentes de “se defenderem” de conteúdos ideológicos inadequados.
“Nossas crianças não podem ser amordaçadas. Não adianta os pais ensinarem o que têm de melhor para seus filhos e, na escola, professores esquerdopatas trazerem conceitos diferentes", afirmou Alana, segundo nota divulgada por sua assessoria.
Mas na terça-feira, 18, o governador sancionou o projeto - que, com a publicação da sanção no Diário Oficial, na quarta-feira (19) tornou-se a lei estadual 9.277. A campanha contra a agora lei continuou– segundo deputados, com apoio do próprio Bolsonaro. Na quinta-feira, então, Castro decidiu vetar o que já havia sancionado.
"O governador me ligou agora à tarde e pediu para eu não acionar a Justiça, que não tinha visto as pegadinhas do projeto e que ia vetar", avisou a deputada, no mesmo dia.
Em edição extra do Diário Oficial publicado na quinta-feira, Castro anunciou que vetava o projeto de lei, sem mencionar que já o havia sancionado. Justificou o gesto dizendo que a Constituição Estadual restringe ao Poder Executivo o direito de implantar regras aos órgãos da administração, como escolas. Segundo o governador, os deputados não têm o poder de criar normas que se apliquem às instituições escolares.
Mas a procuradoria jurídica da Alerj alertou que esse veto era ilegal e que, portanto, a lei seguia em vigor.
“O governador expressamente sancionou o projeto de lei, transformando-o em lei, que foi publicada no Diário Oficial. Não há previsão constitucional de arrependimento de sanção de projeto de lei, motivo por que a lei está em vigor”, afirmou a procuradoria, por escrito. Uma lei só pode ser anulada por outra lei ou por uma decisão judicial.
O próprio Minc falou com o governador. Disse-lhe que há três decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecendo e que, depois de sancionada, uma lei não pode mais ser vetada. Na tarde desta sexta-feira, 21, o governador publicou despacho em que torna sem efeito o veto ao projeto de lei que antes tinha sancionado. Assim, foi mantida a sanção.
Segundo o governo estadual, “considerando que o veto foi publicado fora do prazo legal ficam restabelecidos os efeitos da sanção da Lei n° 9277 de 18 de maio de 2021".
“Nunca vi nada parecido, mas não vamos tripudiar, vamos saudar. O governador ouviu a razão. Viva a diversidade, que os alunos formem suas próprias opiniões. Isso não deixa de ser muito ilustrativo”, afirmou Minc após a decisão desta sexta-feira.
A deputada Alana Passos, por sua vez, protestou contra a decisão de Castro. Ela publicou no Twitter: “URGENTE GOVERNADOR ESQUERDOU. Repudio veemente a atitude do governador (...). Ele está mostrando que o governo anda sem rumo e sem alinhamento com a direita!”.
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