Governadores de direita que aspiram herdar o legado político de Jair Bolsonaro (PL), inelegível e acossado por investigações, se reunirão pela primeira vez desde a manifestação na Avenida Paulista no último domingo que demonstrou que o ex-presidente ainda tem força para mobilizar parte do eleitorado brasileiro.
Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Júnior (PSD-MG), Cláudio Castro (PL-RJ) e Jorginho Mello (PL-SC) serão recebidos por Eduardo Leite (PSDB-RS) em Porto Alegre para a 10ª edição do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud). O foco do encontro será o debate sobre o enfrentamento às mudanças climáticas, que tem atingido os Estados das duas regiões, e a integração entre os governos para aperfeiçoar o combate ao crime organizado (veja abaixo).
Embora neguem que o Cosud tenha viés político, os governadores são aliados de Bolsonaro e oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As exceções são Renato Casagrande (PSB-ES) e Eduardo Leite. O gaúcho se distanciou do bolsonarismo nos últimos anos, mas é crítico do governo petista e tenta se estabelecer nacionalmente como uma opção de terceira via entre os dois polos. No início da semana, disse em um evento em São Paulo que é contra o apoio do PSDB ao prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP) justamente porque ele se aliou a Bolsonaro.
Na Paulista, coube a Tarcísio falar pelos demais governadores presentes — Zema, Mello e Ronaldo Caiado (União-GO) —, exaltar o governo Bolsonaro e dizer que o ex-presidente não é mais uma pessoa e sim “um movimento”. O governador paulista é o preferido de 61% dos manifestantes para suceder o ex-presidente, de acordo com pesquisa feita pelo Monitor do Debate Político do Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), durante o ato do último domingo.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro tem 19% e Zema, 7%, enquanto os demais governadores não aparecem na pesquisa. Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), pondera que a preferência por Tarcísio é natural devido à manifestação ter sido realizada na capital paulista, e afirmou que o processo de sucessão a Bolsonaro tem mais chances de ocorrer por meio dos governadores que não têm mais a opção de se reeleger.
“Pensando no consórcio, tem três figuras com chance de se destacar: Tarcísio e Zema, no campo bolsonarista, e Eduardo Leite. Embora seja o mais popular de todos e o mais forte potencialmente como candidato hoje, o Tarcísio também é o que tem mais motivos para tentar outra coisa”, disse Couto, se referindo ao fato de que o governador paulista pode tentar a reeleição em 2026, ao contrário dos outros dois citados.
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O cientista político avalia que Zema tem dificuldades para se projetar como um líder de abrangência nacional, ao mesmo tempo que aparenta não ser o preferido de Bolsonaro como seu sucessor, a despeito de fazer sinalizações ao bolsonarismo. No início do mês, o chefe do Executivo mineiro declarou, por exemplo, que crianças poderiam frequentar as escolas no Estado mesmo sem terem sido vacinadas, pauta defendida pelo grupo de Bolsonaro.
“Zema foi muito vocal no encontro anterior do Cosud quando, de certa maneira, colocou o consórcio como um instrumento à direita no país”, diz Couto. Durante um encontro do grupo em Minas Gerais no ano passado, o governador afirmou que Sul e Sudeste têm mais gente trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial na comparação com as demais regiões do país.
Meses depois, defendeu em, entrevista ao Estadão, a união da direita e maior protagonismo político do Cosud em Brasília para contrapor as regiões Norte e Nordeste. O governador mineiro e seus aliados afirmam que ele foi mal interpretado na fala sobre o auxílio e que a entrevista foi tirada de contexto. “Eu esperaria algum tipo de posicionamento do Zema já neste encontro para de novo se colocar como uma liderança desse campo”, aposta Cláudio Couto.
As ausências de Cláudio Castro e Ratinho Júnior na Paulista são uma evidência de que eles tentam se distanciar do bolsonarismo neste momento, afirma Antonio Lavareda, cientista político do Ipespe, já que Bolsonaro pediu que todos os seus apoiadores comparecessem.
“Quem não foi, dos governadores, estava dizendo alguma coisa. O Castro não foi dizendo o seguinte: ‘olha, não me coloque nessa fria, pois quero ficar no meio do caminho entre o senhor e o presidente Lula. E o Ratinho porque provavelmente pretende ser um candidato de direita, mas sem a marca bolsonarista”, avalia.
Segundo ele, o encontro do Cosud representará o “mais rico gradiente” da direita brasileira, partindo de Leite, na centro-direita, até Mello como o governador de extrema direita. Atualmente, Bolsonaro está inelegível para a eleição de 2026, mas o cientista político acredita que o ex-presidente também será afastado da disputa em 2030 como consequência das investigações da Polícia Federal, cenário em que a escolha do sucessor ganha mais relevância.
“A força do Bolsonaro pode ser medida pelo comportamento do prefeito [de São Paulo] Ricardo Nunes na manifestação. Ela é importante, mas não suficiente. Então, Nunes vai para o trio elétrico, mas fica distante do Bolsonaro”, explica Lavareda.
Debate sobre meio ambiente e segurança pública será prioridade em Porto Alegre
O principal pleito do Cosud em relação ao governo federal é a criação de um fundo constitucional para o financiamento do Sul e do Sudeste, a exemplo dos já existentes para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Um dos focos do encontro em Porto Alegre, que terminará no sábado, 2, é o enfrentamento às mudanças climáticas.
Os sete Estados do Cosud têm sofrido recorrentemente com enchentes e mortes causadas pelas chuvas. Anfitrião do encontro, o Rio Grande do Sul foi atingido por ciclones e temporais no segundo semestre do ano passado e no início deste ano, causando dezenas mortes, inundações e um rastro de destruição.
“Sul e Sudeste não têm um fundo constitucional com recursos da União. Basicamente, toda atuação do ponto de vista econômico e no combate à ações climáticas adversas vem de recursos próprios e acaba concorrendo com todas as outras necessidades dos Estados”, afirma Danielle Calazans, secretária de Planejamento do Rio Grande do Sul, responsável por organizar o evento. Ela pontua que, assim como o Estado que atua, Minas e Rio de Janeiro enfrentam sérias dificuldades financeiras.
Outro tema que será discutido com prioridade é a integração dos Estados para melhorar o combate à violência e ao crime organizado, além da troca de experiências sobre quais políticas públicas deram resultado em determinado local. As polícias militares em todo o país perderam 30 mil agentes nos últimos 10 anos — Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão entre os que mais viram o efetivo diminuir percentualmente.
Ao mesmo tempo, as facções criminosas têm se expandido e ampliado suas atividades ganhando contratos milionários do poder público em diversas prefeituras brasileiras. Além do impacto social, há também as consequências econômicas da atuação do crime organizado: empresas gastam R$ 171 bilhões, o equivalente a1,7% do PIB, todos os anos para se protegerem e a sensação de insegurança afugenta investidores, prejudicando o desenvolvimento do Brasil.
Ao todo, são 21 grupos técnicos formados pelas equipes e secretários de cada Estado, que discutirão temas como saúde, educação, turismo, malha ferroviária, planejamento e governo digital, cultura, habitação e inovação. O Cosud foi criado em 2019, mas só foi formalizado em outubro do ano passado, durante reunião em São Paulo, após cada Assembleia Legislativa aprovar a adesão do respectivo Estado ao consórcio. O próximo passo é consolidar as regras de governança e o regimento interno do grupo. A expectativa é que uma minuta seja apresentada aos governadores em Porto Alegre.
Ao final do evento, os chefes dos Executivos estaduais assinarão uma carta com os compromissos assumidos e conclusões retiradas dos grupos de trabalho. Os sete Estados que integram o Cosud são responsáveis por 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e mais de 114 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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