A Terra Indígena do Vale do Javari, no entorno da qual desapareceram o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, tem apenas seis agentes da Força Nacional de Segurança Pública, enviados para o patrulhamento da área de 85 mil quilômetros quadrados. A reportagem identificou ao menos seis pedidos feitos neste ano ao governo para o reforço da proteção na região. Foram rejeitadas todas as solicitações da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
Conforme o Estadão revelou ontem, cartéis de drogas de Miami, Medellín e Sinaloa mantêm um Estado paralelo no Alto Solimões, na Amazônia – Atalaia é a principal porta de entrada do território indígena do Vale do Javari. Comunidades ribeirinhas sofrem forte influência do tráfico e até o poder público precisa seguir regras impostas pelo crime.
Uma das linhas de investigação da polícia é que Pereira e Philips podem ter sido vítimas de grupos que atuam com pesca ilegal. O indigenista treinava indígenas para registrar a atividade criminosa, o que vinha causando prejuízos ao esquema. O jornalista acompanhava o colega para escrever um livro.
Após a publicação da reportagem, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que “o Senado contribuirá com o enfrentamento necessário para que o crime não prevaleça na região”. “O Brasil não pode tolerar um Estado paralelo na Amazônia, que pratica crimes como tráfico de armas e de drogas, desmatamentos e garimpos ilegais, além de atentados aos indígenas.”
Ex-governador do Amazonas, o senador Omar Aziz (PSD) disse que a situação é crítica e que não faltaram alertas. “Todo dia morre gente lá. Conheço aquilo, governei meu Estado. Toda droga produzida no Peru e na Colômbia passa por ali praticamente”, afirmou. Ele defendeu que os ministros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e da Defesa, Paulo Sérgio, sejam chamados a dar explicações. Procurados, os ministros não se manifestaram.
Autorização
O envio de seis homens ao Vale do Javari foi autorizado em dezembro de 2019 pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. O prazo original era de 180 dias e vem sendo renovado a cada seis meses, conforme dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação pela agência Fiquem Sabendo.
Segundo servidores da Funai, os agentes da Força Nacional estão apenas em um dos quatro postos na área do Javari. A região é uma das que receberam o menor efetivo entre as operações da Força Nacional em andamento, relacionadas a conflitos em reservas indígenas. São dez ao todo. No despacho inicial, o ex-ministro autorizou o envio de agentes da Força Nacional “para garantir a integridade física e moral dos povos indígenas e dos servidores (da Funai)”.
Em operações como essa, a atuação de grande efetivo da Força Nacional serve para garantir um ambiente de segurança para a investigação do caso, além do caráter simbólico de demarcar a presença do Estado. Nos ofícios, a Univaja pede a presença dos agentes para combater invasões, ataques de armas de fogo e pesca ilegal por parte de homens que agora são suspeitos pelo desaparecimento de Pereira e Phillips.
Num desses relatórios, de 12 de abril, a entidade chega a relatar que Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, pescou pirarucu perto da Aldeia dos Korubos, no Rio Ituí, prática ilegal, e era apontado como “um dos autores dos diversos atentados com arma de fogo contra a Base de Proteção da Funai em 2018 e 2019″. O documento ainda relata que, no dia 4 de abril também deste ano, a Univaja se reuniu com o tenente Adelson Vales Santos, comandante da Operação Vale do Javari, da Força Nacional, em Tabatinga para cobrar providências.
“Na reunião, (...) o comandante da FNSP informa que não pode autorizar a saída de sua equipe em virtude do baixo contingente na base naquele momento (2 policiais) e pela carência de equipamentos logísticos na embarcação”, destaca relatório enviado para a própria Força Nacional, ao MP e à Polícia Federal. Funai e Ministério da Justiça foram questionados sobre a operação, mas não responderam.
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