Governo e Lira reservam R$ 3 bilhões para deputados novatos destinarem às suas bases

Planalto e presidente da Câmara negociam acordo para que 219 novos parlamentares tenham o direito de indicar, cada um, o repasse de R$ 13 milhões do Orçamento federal

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O governo Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se articularam para entregar a 219 deputados novatos o direito de definir onde devem ser aplicados cerca de R$ 3 bilhões do Orçamento federal. Cada parlamentar terá direito a uma quantia na casa dos R$ 13 milhões. Com o agrado, o governo pretende assegurar votos para propostas de seu interesse no Congresso.

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Por lei, os deputados que estão chegando agora não teriam direito de direcionar recursos do Orçamento de 2023 para suas bases eleitorais. Isso porque ele foi elaborado no ano passado, quando não haviam ainda assumido o mandato. Eles só manejariam recursos a partir do ano que vem.

“Se o governo estivesse forte, poderia não dar para os novos. Mas tem uma reforma tributária, não dá para pagar para ver. Se não for esse valor, uma parcela significativa vai ter”, disse o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), deixando explícito o acordo. Ele será um dos beneficiados.

Lira visita feira rural em Cascavel (PR); presidente da Câmara quer retribuir os votos pela reeleição Foto: Ari Dias/AEN

Com o fim do orçamento secreto, mecanismo revelado pelo Estadão por meio do qual o governo Jair Bolsonaro (PL) cooptava parlamentares, Lira tem buscado outros caminhos para atender deputados com recursos do Orçamento. O governo está disposto a repassar a verba aos novatos.

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Redutos

Com isso, os deputados nem bem chegaram e já poderão decidir onde a administração federal deverá investir dinheiro público para, por exemplo, executar obras, contratar serviços ou comprar bens como caminhões de lixo, tratores e ambulâncias destinadas a seus redutos eleitorais.

O governo estima que tem uma base de 260 deputados. É um número insuficiente para alterar a Constituição, o que exige 308 votos. Medidas como a reforma tributária demandam votação qualificada. Anteontem, Lula disse que “quanto mais o tempo passa, mais caro fica aprovar projetos”.

Os acordos do governo em troca de votos no Congresso têm sido motivo de escândalos no País nos últimos anos. Em 2005, o governo Lula foi acusado de patrocinar o mensalão, esquema pelo qual políticos recebiam mesada de empreiteiras que mantinham contratos com o governo em troca de aprovar matérias de interesse do petista no Congresso.

No governo Dilma Rousseff (PT) veio à tona casos revelados pela Lava Jato. Deputados e senadores recebiam propina de empresas para votar com o governo. A operação desvendou a prática. Bolsonaro, por sua vez, criou o orçamento secreto. Sem que fossem identificados, os parlamentares enviavam dinheiro para prefeituras, que fechavam contratos muitas vezes superfaturados com empresas sem qualquer critério técnico. Cidades receberam até quatro caminhões de lixo, por exemplo, sem produzir quantidade suficiente de resíduos para enchê-los.

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Indicação política

Os instrumentos para o governo repassar aos deputados novatos o direito de decidir onde aplicar R$ 3 bilhões do Orçamento da União ainda não estão claros. Uma das formas cogitadas seria recorrer a uma prática do passado, em que os novatos herdavam a paternidade, ou seja, a indicação política do saldo a pagar das emendas dos colegas não reeleitos.

Os deputados seriam então chamados a indicar o destino de R$ 13 milhões dentro de programas e convênios já existentes nos ministérios. Dessa forma, poderiam apontar prefeitos aliados que receberiam a verba por convênio, conforme interesses paroquiais, mas dentro dos critérios técnicos preestabelecidos pelas pastas.

Essa cota extra dos novos deputados vem sendo discutida intensamente nos bastidores da Câmara. Em um grupo de assessores parlamentares especializados em Orçamento, representantes dos deputados diziam aguardar a “fumaça branca” do Palácio do Planalto para indicação do dinheiro. Cada líder de bancada vai centralizar os pedidos dos deputados de seu partido. Eles atribuíram, ainda, a indicação dos limites de empenho a Lira.

Coalizão

Tudo indica que a “fumaça branca” virá. Ao Estadão, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o valor de cada deputado não estava fechado, mas indicou que o Planalto tem interesse em aumentar sua coalizão de 17 partidos e contemplar os novos deputados. O ministro já anda com uma pasta de currículos recebidos de indicados políticos de parlamentares, outra frente que o governo abriu para tentar conquistar apoios no Congresso. Os postos são de segundo e terceiro escalões na administração federal, em Brasília e nos Estados.

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“Tem uma tradição de sempre buscar os parlamentares que são novos e não têm direto já a recursos destinados a eles. Se tiverem bons projetos, boas propostas, podem ser contemplados no governo”, declarou Padilha, sinalizando que os recursos podem vir do próprio Orçamento-Geral da União.

Já o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), desconversou sobre o acordo. “Não chegamos ainda nisso”, disse. “Não tratamos desse assunto ainda”, emendou o petista.

Um dos deputados da bancada de Guimarães, porém, confirmou ao Estadão que a verba para os novos deputados foi tratada até mesmo com os líderes. “Teve um conversa entre o Lira e o colégio de líderes. Foi uma reivindicação de todas as bancadas”, declarou Tatto. “O conceito está acordado. E se fala em R$ 13 milhões.”

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Mágica

Tatto disse que também devem ser usados os recursos do chamado RP-2. “A mágica está no seguinte: não tem dinheiro novo, foi disponibilizado com a votação da PEC da Transição. Isso permitiu que a medida fosse votada porque os antigos (deputados) não queriam votar. O Lira garantiu voto para o governo e foi importante para ele ter o voto dos novos deputados na eleição da Câmara.”

A PEC da Transição foi votada em dezembro e ampliou os gastos do governo no Orçamento de 2023 para acomodar as promessas eleitorais de Lula, como o Bolsa Família de R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Para aprovar a medida, o governo negociou com o Congresso cargos na Esplanada e o rateio dos recursos herdados com o fim do orçamento secreto determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O governo deve recorrer ao modelo de emendas “extra”, que seriam empenhadas conforme interesses dos deputados, mas são recursos previstos no Orçamento como verba discricionária (RP-2) dos ministérios. Essa prática foi usada em 2019 pela articulação política do governo Jair Bolsonaro para azeitar a Reforma da Previdência, por exemplo. Ela se mostrou uma forma pouco transparente de direcionar recursos a critério dos congressistas, pois não havia e vigorou antes da criação do orçamento secreto, com as emendas de relator-geral (RP-9) turbinadas.

Com a proibição do orçamento secreto em dezembro passado pelo Supremo, o Congresso e o governo redistribuíram R$ 19,4 bilhões que haviam sido originalmente propostos como reserva para emendas de relator. Os parlamentares enviaram R$ 9,55 bilhões para emendas individuais. Cada deputado ficou com R$ 12 milhões a mais, quantia similar aos R$ 13 milhões que os novos eleitos devem dispor agora.

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Outra cota similar, de R$ 9,85 bilhões, ficou com o Executivo e foi parar na rubrica de investimentos de ministérios. Daí sairiam os cerca de R$ 3 bilhões para os novos deputados. Esse é o caminho mais falado entre os parlamentares para viabilizar o pagamento. Os deputados seriam chamados a indicar o destino de R$ 13 milhões dentro dos programas e convênios já existentes nos ministérios. Dessa forma, poderiam apontar os prefeitos aliados que receberiam a verba por convênio, conforme seus interesses paroquiais, mas dentro dos critérios técnicos preestabelecidos pelos ministérios.

Lira foi procurado pela reportagem para comentar o acordo para contemplar os novos deputados, mas não respondeu. O deputado foi reeleito para comandar a Câmara pelos próximos dois anos com votação recorde de 464 votos.

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