O pedido do Ministério da Fazenda ao STF para derrubar a emenda constitucional dos precatórios, aprovada pelo governo Bolsonaro, é mais um exemplo de como o governo Lula conta com o apoio dos tribunais para garantir o avanço da agenda econômica. Neste caso, a adoção de uma nova regra para o pagamento das dívidas judiciais facilita a gestão orçamentária e evita um acúmulo explosivo daqui a alguns anos. O governo poderia solicitar que o Congresso alterasse novamente a Constituição, mas optou por levar o pleito ao STF.
Essa tática, que também tem sido usada para reforçar a arrecadação, tem sido bastante útil para Lula por causa da natureza de sua coalizão no Congresso.
Lula até tem maioria na Câmara e no Senado, inclusive para aprovar emendas à Constituição. Isso é especialmente verdadeiro após a reforma ministerial de agosto. Nas estimativas da Eurasia Group, com base nas votações deste ano, Lula tem contado com o apoio de cerca de 360 deputados e 55 senadores. Esses parlamentares se dividem em dois grupos: aqueles que apoiam o governo com muita lealdade, e aqueles que ajudam de maneira mais seletiva. A oposição está isolada nas duas casas, com uma tropa de choque debilitada.
Mas essa coalizão ainda é – e continuará sendo – cara e de difícil operação, o que força o governo a traçar prioridades no Legislativo. Na Câmara, a pauta ainda é influenciada fortemente pelo presidente Arthur Lira, que continua a centralizar os trabalhos em um grupo relativamente pequeno de lideranças. No Senado, há uma maior fragmentação da base, com certo desconforto de partidos – especialmente o MDB – desconfortáveis com o favoritismo de Davi Alcolumbre para a sucessão de Rodrigo Pacheco em 2025.
Um dos trabalhos mais difíceis da articulação de governo é garantir a coesão da base. Construir é mais fácil do que manter. Todos lutam por mais espaço, a começar pelo partido do próprio presidente. Mas a composição de forças do Congresso não permite escolhas fáceis a Lula. No Senado, PSD e MDB, juntos, têm dado mais que o triplo dos votos do PT, por exemplo; na futura disputa entre Alcolumbre e senadores do MDB, há o risco de que um dos lados recorra à oposição, hoje escanteada. Na Câmara, sem o apoio de Lira, o núcleo de apoiadores fiéis do governo, atualmente com cerca de 180 deputados, tem muita dificuldade para empurrar uma proposta por conta própria.
A popularidade estável de Lula – mais alta do que se esperava – ajuda o governo a manter esse mosaico de forças organizado no Congresso, e dá mais gordura para o governo atravessar os próximos anos, que tendem a ser mais difíceis. Mas, diante desse quadro complexo, o governo deve continuar a contar com a boa relação com parte dos tribunais para defender sua agenda.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.