O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu enfrentar o problema da semana fazendo espuma. Como revelou o Estadão, uma senhora ligada ao braço do Comando Vermelho no Amazonas foi recebida em duas audiências no Ministério da Justiça. Ao invés do adotar o caminho mais fácil de admitir o erro e pedir o cargo do responsável, a gestão petista preferiu o alarido ainda do embate eleitoral de lulistas x bolsonaristas. Assim, na data da celebração da Proclamação da República, Lula, que andava calado sobre o caso, pronunciou-se. Na rede social, nada sobre a visita inapropriada. Tudo sobre fakenews e os inimigos do governo.
“Minha solidariedade ao ministro @FlavioDino que vem sendo alvo de absurdos ataques artificialmente plantados”, escreveu o presidente, completando: “O Ministério da Justiça tem coordenado ações de enorme importância para o país: a defesa da democracia; o combate ao armamentismo selvagem; o enfrentamento ao crime organizado, ao tráfico e às milícias; e a proteção da Amazônia. Essas ações despertam muitos adversários, que não se conformam com a perda de dinheiro e dos espaços para suas atuações criminosas. Daí nascem as fake news difundidas numa clara ação coordenada”.
Não se pode negar que o discurso presidencial recebeu uma ajudazinha da trupe bolsonarista. Com sangue nos olhos ao mirar o ministro da Justiça, Flávio Dino, uns e outros decidiram que a revelação feita pela reportagem do jornal não era constrangimento suficiente ao governo. Inventaram que o ministro também se encontrou pessoalmente com a tal representante do CV amazonense e até criaram uma foto de um abraço que não houve. A personagem real da foto era uma nordestina que nada tem a ver com o crime.
Os petistas aproveitaram a onda para surfar na mentira disseminada em redes bolsonaristas. Afinal, é melhor apontar o dedo para o adversário pego na falsidade do que tratar do próprio problema.
Quando Estadão noticiou o caso, na segunda-feira, 13, Dino foi para sua rede social dizer que ele mesmo nunca recebera a tal agente do CV. “Nunca recebi, em audiência no Ministério da Justiça, líder de facção criminosa, ou esposa, ou parente, ou vizinho.” Pela lógica da política, um texto assim público seria suficiente para qualquer um entender. O ministro estava deixando claro que reunião com esse tipo de gente não faz. Mas dois de seus subordinados fizeram: o secretário de Assuntos Legislativos, Elias Vaz, e com o secretário de políticas penais Rafael Velasco Brandani.
O que se esperar daí? Que Dino chamasse os dois, passasse um descompostura e, avaliando a dimensão do caso e considerando que cabe ao Ministério da Justiça estar a frente do combate ao crime organizado e não reunindo-se com ele, sugerir a porta de saída para ambos. Até onde se sabe, Dino reclamou do ocorrido com Elias Vaz. Foi o próprio secretário quem contou isso e admitiu que errou. E depois baixou um ato para mudar as regras de entrada no prédio do Ministério da Justiça.
O episódio mostra que foi deixado de lado o tino de governar e saber que, em determinado momento, é preciso trocar peças para não perder o controle do jogo. Dino poderia ter encerrado o caso ali mesmo, mas preferiu trucar.
Nas rodas petistas começou, então, o discurso de que como podem os bolsonaristas criticar o ministro se andavam com milicianos. Veio a fake news da reunião inexistente de Dino com o CV sacramentando a estratégia de preferir a bruma do que os fatos. Agora, temos o presidente e o ministro a enfrentar as fakenews. A reunião da senhora do CV nortista é deixada de lado sem considerar que tal gesto só faz a confusão prosperar. E já tem grupo de deputado oposicionista pedindo CPI para Dino.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.