Governo Lula fica em silêncio durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU contra Ortega

Grupo afirmou que governo da Nicarágua cometeu violações sistemáticas dos direitos humanos; presidente Daniel Ortega tem usado a justiça para declarar opositores como ‘traidores da pátria’

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Foto do author Natália Santos
Atualização:

O governo Luiz Inácio Lula da Silva permaneceu em silêncio durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU nesta sexta-feira, 3, sobre a situação dos direitos humanos na Nicarágua e ações autoritárias e violentas do presidente Daniel Ortega. Segundo um grupo de especialistas da ONU, o governo nicaraguense cometeu violações sistemáticas dos direitos humanos, as quais constituem “crimes contra a humanidade”. Lula e Ortega são conhecidos de longa data. Durante os primeiros mandatos, o petista se encontrou diversas vezes com o líder sandinista para debater, por exemplo, integração regional.

Durante a campanha eleitoral, Lula minimizou a ditadura instaurada na Nicarágua por Ortega, que está em seu quinto mandato, e comparou a situação com a da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que completou 16 anos à frente do país europeu. “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não? Qual é a lógica?”, questionou Lula em entrevista ao jornal espanhol El País. No poder desde 2007, Ortega mandou prender sete de seus opositores antes que a população fosse às urnas, eliminando candidatos que pudessem ameaçar sua vitória.

Ortega e Lula durante encontro em Managua, capital da Nicarágua, em 2007. Foto: Oswaldo Rivas/REUTERS

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Na reunião da ONU da semana passada, no chamado diálogo interativo, se manifestaram União Europeia, Canadá - em nome de um grupo de 53 países -, França, Estados Unidos, Equador, Argentina, China, República Popular Democrática da Coreia, Peru, Venezuela, Uruguai, Reino Unido, Alemanha, Espanha, Geórgia, Chile, Belarus, Iêmen, Síria, Arábia Saudita, Sri Lanka, Irã, Federação Russa, Cuba, Eritreia e Malawi. No segmento geral do encontro, outras cinco nações se pronunciaram, incluindo Israel, Líbia e Somália. Organizações não-governamentais e representantes da sociedade civil também tiveram tempo de fala.

Representantes da ONU relembraram os últimos episódios envolvendo decisões de Ortega, como a situação de mais de 200 presos políticos, incluindo políticos da oposição e líderes empresariais, detidos ao longo da crise política na Nicarágua e, posteriormente, “deportados” para os Estados Unidos, após negociação com Washington.

Alguns dos presos planejavam concorrer contra o presidente Daniel Ortega nas eleições de 2021. “No mesmo dia, o Judiciário anunciou que essas pessoas haviam sido ‘deportadas’ e que haviam infringido a lei 1.055, sendo, portanto, consideradas ‘traidoras da pátria’. A decisão judicial privou todos os 222 indivíduos de seus direitos civis e políticos”, disse a secretária-geral adjunta para os direitos humanos das Nações Unidas, Ilze Brands Kehris.

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Ainda de acordo com o relato apresentado na reunião, em fevereiro, 94 opositores do presidente foram declarados “traidores da pátria”, perderam a nacionalidade nicaraguense e passaram a ser impedidos, de forma perpétua, de exercer cargos públicos.

Entre os punidos por Ortega nessa última leva estão os escritores Sergio Ramírez e Gioconda Belli (Ramírez foi vice-presidente do governo sandinista na década de 1980), o bispo católico Silvio Báez, os ex-comandantes guerrilheiros Luis Carrión e Mónica Baltodano e a ativista de direitos humanos Vilma Núñez.

Na quinta-feira, 2, o grupo de especialistas em Direitos Humanos da ONU sobre a Nicarágua divulgou um documento que menciona execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura e privação arbitrária da nacionalidade e do direito de permanecer no próprio país. “Eles são cometidos de maneira generalizada e sistemática por motivos políticos e constituem crimes de lesa-humanidade de assassinato, prisão, tortura, incluindo violência sexual, deportação e perseguição por motivos políticos”, afirmou um dos especialistas. “A população nicaraguense vive com o temor das ações que o próprio governo pode tomar contra ela”, disse outro.

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores ainda não se posicionou sobre o caso.

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