BRASÍLIA - O Ministério da Previdência prepara um decreto que abrirá caminho para o governo julgar novamente processos administrativos em que gestores de fundos de pensão, incluindo petistas, foram punidos por ilícitos financeiros. A informação consta em um parecer jurídico feito a pedido da Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), órgão sancionador da pasta.
Procurado, o Ministério disse que pedidos de revisão são previstos em lei e no regimento interno da CRPC. De acordo com o documento, embora já exista previsão legal, faltam regras sobre sua tramitação. O decreto em fase final de edição vai estabelecer o rito e permitirá aos acusados tentar derrubar penalizações sofridas.
A consulta jurídica foi feita após Sérgio Francisco da Silva, ex-diretor administrativo da Funcef, fundo de pensão da Caixa, pedir a anulação de punições que o colegiado lhe impôs. Ele e outros oito executivos que comandaram a entidade no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no governo de Dilma Rousseff se tornaram alvo da Operação Greenfield, braço da Lava Jato que apurou fraudes em institutos de previdência ligados a empresas estatais.
As irregularidades de que são acusados ocorreram entre 2009 e 2010 na compra de R$ 272 milhões em participações da Florestal S/A, uma subsidiária do Grupo J&F, do empresário Joesley Batista. Silva foi condenado ao pagamento de multa de R$ 34 mil e atualmente está impedido de assumir cargos em fundos de pensão. A defesa pede a anulação das punições devido à exclusão de seu nome da lista de réus da ação penal sobre o caso movida pelo Ministério Público Federal (MPF) na Justiça.
Também pleiteia o fim da execução do valor da multa. No mesmo processo administrativo, foram penalizados também dois ex-presidentes da Funcef: Guilherme Narciso de Lacerda e Carlos Alberto Caser, então diretor de Benefícios.
Quase todos os réus da Greenfield enfrentaram, além de ações judiciais, processos administrativos, nos quais foram punidos. Até hoje, nos casos que foram trancados ou arquivados na Justiça, os advogados recorrem aos próprios tribunais para reverter as penalizações administrativas. Com a possibilidade de revisão pela própria CRPC, esses pedidos poderão ser processados dentro do governo.
“Meu cliente não foi denunciado na Ação Penal e nem na Ação Civil de Improbidade movida pelo Ministério Público Federal, sob o argumento de que “não se verificou na conduta elementos subjetivos claramente livres, conscientes e intencionais necessários para a configuração da prática do crime de gestão fraudulenta”, diz o advogado de Silva, Emmanuel Vilanova, que defende Sérgio Francisco da Silva. A reportagem tentou contato com os outros citados foram procurados, mas não conseguiu.
As repercussões de eventuais anulações das condenações administrativas são a derrubada de sanções que impedem a nomeação de gestores punidos para cargos em fundos de pensão e a reversão de multas pecuniárias de até R$ 2 milhões.
O Ministério da Previdência lembrou que a CRPC é formada por servidores federais e representantes da sociedade civil. “Suas decisões são necessariamente fundamentadas e cada membro, conforme seu convencimento, decide com base no que está estabelecido na legislação, a partir das evidências constantes dos autos dos processos”.
Desmobilizada em janeiro de 2021, a Força Tarefa da Greenfield estimou que fraudes e gestões temerárias durante os governos petistas resultaram em prejuízos de R$ 54 bilhões aos fundos de pensão de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios. Foram denunciadas 176 pessoas.
As punições aplicadas pela CRPC partiram de autos de infração lavrados por auditores da Superintendência Nacional da Previdência Complementar (Previc) e que basearam outras dezenas de denúncias no âmbito da Greenfield.
No caso que envolve Silva, ele e os outros diretores da Funcef aprovaram a aplicação de capital na Florestal S/A por meio de um fundo de investimentos em participações (FIP). Hoje, a empresa faz parte da Eldorado Celulose S/A, outra companhia do Grupo J&F.
O valor investido se baseou em uma avaliação da empresa feita pela Vitória Asset, que a estimou em R$ 1,2 bilhão. Coube à Funcef a compra de um quarto das ações da companhia mediante aporte de R$ 272 milhões. A fiscalização da Previc e o MPF apontaram superfaturamento e conflito de interesses na operação.
A Coordenação de Desenvolvimento e Negócios do fundo de pensão havia atribuído à Florestal S/A o valor máximo de R$ 552 milhões e a Silviconsult, uma consultoria independente, R$ 334 milhões. Mesmo assim, acatou-se a estimativa mais elevada, feita pela Vitória Asset, que também era a gestora do FIP Florestal e teria direito a receber uma taxa de administração proporcional ao capital comprometido.
Segundo a fiscalização da Previc e o MPF, isso criou um cenário de conflito de interesses, já que quanto maior fosse a avaliação da empresa, maior seria o lucro da gestora.
As investigações também constataram falta de análise de riscos do negócio, que consistia na plantação de florestas industriais no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul para revenda 21 anos depois. De acordo com a investigação, foram considerados apenas riscos inerentes ao setor, mas não aqueles associados à operação específica da empresa do Grupo J&F.
A fiscalização identificou ainda elementos utilizados para superestimar o valor da Florestal S/A. O principal foi a contabilização de imóveis que estavam em nome de sócios como ativos da empresa. Estes bens só foram integralizados no capital social da companhia anos depois do aporte da Funcef e com valores superiores àqueles pelos quais foram adquiridos.
Um deles é a fazenda Eldorado, comprada em 2009 pela JBS por R$ 35 milhões e, após cinco anos, incluída no patrimônio da Florestal sob a cifra de R$ 56 milhões.
Em delação ao MPF, Joesley Batista confessou ter pago propina ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto em troca dos investimentos dos fundos de pensão em seus negócios.
Porém, o acordo de leniência feito com a J&F para ressarcir a Funcef caiu por terra, após o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendê-lo. A Procuradoria Geral da República recorre da decisão. Dos R$ 10,3 bilhões que seriam pagos a título de indenização por crimes cometidos, R$ 2 bilhões iriam para o fundo dos aposentados da Caixa.
Atualmente, os participantes sofrem descontos de seus salários e aposentadorias para cobrir os rombos. Até hoje, as estatais precisaram fazer desembolsos bilionários para ajudar a recompor o Caixa dos fundos de pensão.
Os investimentos suspeitos beneficiaram, além da J&F, empreiteiras e a Sete Brasil, estatal criada para fabricar sondas de exploração do pré-sal.
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