Governo Lula publica regras para disciplinar uso da força policial com armas como ‘último recurso’

Decreto publicado nesta terça-feira, 24, regulamenta operações e abordagens de profissionais de segurança pública; Estados não são obrigados a aderir, mas estarão sujeitos a corte de verbas federais

PUBLICIDADE

Foto do author Rayssa Motta
Foto do author Vinícius Valfré
Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

O governo federal publicou nesta terça-feira, 24, um decreto para regulamentar o uso da força policial em todo o País. O texto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reúne um conjunto de regras de conduta para os profissionais de segurança pública.

PUBLICIDADE

Os governadores não são obrigados a cumprir as diretrizes. No entanto, os Estados que não fizerem estarão sujeitos a cortes nas verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Em 2024, o governo repassou cerca de R$ 1 bilhão aos Estados por meio do FNSP e R$ 2,4 bilhões via Funpen.

Conforme antecipado pelo Estadão, o decreto prevê que a arma de fogo só pode ser usada como último recurso pelos policiais. Também proíbe o uso de armas contra pessoas desarmadas em fuga ou veículos que desrespeitem bloqueios policiais em via pública, como aconteceu com o músico Evaldo Rosa, fuzilado no Rio em 2019. A exceção é se houver risco ao profissional de segurança ou a terceiros.

O ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, e o presidente Lula Foto: wilton junior/Estadão

Outro trecho do decreto afirma que operações policiais precisam ser planejadas e executadas com cautela “para prevenir ou minimizar o uso da força e para mitigar a gravidade de qualquer dano direto ou indireto que possa ser causado a quaisquer pessoas”.

Publicidade

Há ainda uma regra que proíbe abordagens discriminatórias com base em “preconceitos de raça, etnia, cor, gênero, orientação sexual, idioma, religião, nacionalidade, origem social, deficiência, situação econômica, opinião política ou de outra natureza”.

Segundo o decreto, os órgãos e os profissionais de segurança pública serão responsabilizados pelo uso inadequado da força, “após a conclusão de processo de investigação, respeitado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório”.

Sempre que intervenções dos profissionais de segurança pública deixarem mortos ou feridos, um relatório circunstanciado deverá ser elaborado, seguindo parâmetros que ainda vão ser definidos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública ainda vai editar e publicar normas complementares com orientações detalhadas para o cumprimento das diretrizes gerais divulgadas nesta terça.

Publicidade

Essa é mais uma tentativa do governo federal de unificar regras e protocolos das forças de segurança. Em maio, o Ministério da Justiça lançou um edital para incentivar o uso de câmeras corporais pelos policiais. O governo também busca apoio à PEC da Segurança Pública, proposta mais ambiciosa de Lula e Lewandowski para a área.

Outro ponto do decreto apontado como relevante por especialistas é o que determina a instituição do Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, com participação da sociedade civil. A iniciativa é vista como uma estratégia para neutralizar interesses políticos e partidários estabelecendo métricas padronizadas para o monitoramento nacional.

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima avalia que o decreto serve para “consolidar um padrão de uso da força que tem dado certo”, mas que os resultados práticos ainda dependem de outras medidas do governo, do Congresso e dos Estados.

“Ele consolida uma visão de que o problema existe e ninguém vai tapar o sol com a peneira. Os bons resultados dependem de o governo negociar qual projeto que será aprovado, se a PEC proposta pelo ministro Ricardo Lewandowski, se a dos governadores. Mas esse decreto é uma linha de base. O ganho político para o governo é que ele parece ter saído da defensiva, mas não quer dizer que garantiu uma vitória”, destacou.

Publicidade

Chefe do Conselho de secretários não vê mudança significativa

Para o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), Sandro Avelar, o decreto federal que regulamenta o uso da força policial na esfera federal não traz mudança significativa no comportamento das polícias.

“O uso progressivo da força é algo que já vem sendo praticado em todas as polícias do Brasil e faz parte de uma doutrina que a gente já põe em prática. Nas academias o policial aprende a fazer o uso da força de forma comedida”, disse.

Ele pontuou que para evitar uso de armas de fogo, as polícias devem ser bem equipadas com outros tipos de dispositivos. “É importante que as polícias tenham equipamentos para evitar o uso de armas de fogo, como as pistolas tasers, por exemplo. Os policiais são bem treinados, mas precisam ter os meios para controlar determinadas situações sem fazer uso da arma”, disse.

O presidente do Conselho lembrou que a discussão se tornou mais intensa depois dos casos de violência policial registrados em São Paulo. “São situações diferentes. O que aconteceu em São Paulo, em alguns casos, é crime que está sendo apurado pelas corregedorias das polícias. Abuso não tem relação com o uso progressivo da força. Você não pode pegar alguém e jogar da ponte. Todas as instituições têm seus desvios, mas nenhuma instituição no Brasil pune os desvios mais do que a polícia”, afirmou.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.