O governo Lula vai recorrer a uma tropa de choque em comissões estratégicas da Câmara para impedir o avanço de pautas de costumes defendidas por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso. A tática da blindagem foi planejada após a derrota sofrida pelo Palácio do Planalto, nesta quarta-feira, 6, quando o PL de Bolsonaro assumiu a presidência das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Educação.
Ciente de que ficará ‘refém’ do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para barrar projetos polêmicos no plenário, o governo já foi avisado por deputados do PT de que terá de fazer mais concessões agora, a sete meses das eleições municipais. Não sem motivo: chegou ao Palácio do Planalto a informação de que Lira quer controlar com mão de ferro a distribuição de todas as emendas de comissão.
Mesmo com o veto de R$ 5,6 bilhões imposto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda há R$ 11 bilhões reservados para esse tipo de emenda. Depois do revés do governo na Câmara, porém, não está descartada a revisão para cima desse valor.
O que mais incomodou o Planalto foi o fato de o PL ter indicado dois bolsonaristas radicais para o comando de comissões importantes. A presidência da CCJ, por onde passam todos os projetos de interesse do Executivo, ficou com a deputada Caroline de Toni (SC), conhecida por votar sempre contra o governo.
A Comissão de Educação, por sua vez, foi para Nikolas Ferreira (MG), árduo defensor do homeschooling. Há projetos naquele colegiado que autorizam os Estados e o Distrito Federal a legislar sobre diretrizes e bases da educação domiciliar para se contrapor a uma suposta “doutrinação de esquerda”.
Em 8 de março do ano passado, Nikolas subiu à tribuna da Câmara vestido com uma peruca loura, sob a justificativa de que precisava ter “local de fala” no Dia da Mulher. No discurso, ironizou mulheres trans.
“Esperamos que ele não transforme a Comissão de Educação num confessionário do Big Brother para fazer vídeos para o Tik Tok”, disse o deputado Pedro Campos (PSB-PE). “Acho que devemos propor agora uma subcomissão educacional de saúde mental”, provocou Alencar Santana (PT-SP).
Comissões serão termômetro de fidelidade a Planalto
O petista observou, porém, que os colegiados da Câmara serão um bom termômetro para medir a fidelidade da base aliada. “Vamos ver de que lado os colegas estão e, no caso da educação, se será o lado da civilidade ou da ignonância”, argumentou Santana.
A prática de recorrer a uma tropa de choque é muito usada em comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e consiste na substituição de alguns parlamentares por outros mais aguerridos, ou mais alinhados ao Planalto, em momentos de votações ou depoimentos considerados decisivos.
“Essas comissões, hoje, estão muito esvaziadas. Mas vamos colocar ‘tropa de choque’, sim”, admitiu o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ). Já a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, classificou como “lamentáveis” e “desrespeitosas” as escolhas feitas pelo partido de Bolsonaro. “Isso depõe contra a própria Câmara”, avaliou Gleisi. O Planalto também levou uma rasteira do PL na Comissão de Segurança Pública, agora nas mãos de Alberto Fraga (PL-DF), líder da “bancada da bala”.
O ministro da Educação, Camilo Santana, tentou minimizar a derrota do governo. “A Câmara tem autonomia para escolher quem quiser. O trabalho não é do Ministério (da Educação). É do Brasil, da educação brasileira. Estarei preparado sempre que for convocado”, destacou.
Comissões legislativas têm poder de causar muitos desgastes para o governo, sobretudo com a convocação de ministros. Em 2023, por exemplo, o então titular da Justiça, Flávio Dino – hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – foi obrigado a ir várias vezes ao Congresso e, nas sessões, entrou em confronto com bolsonaristas.
O Planalto avalia que discípulos de Bolsonaro planejam agora fazer isso com a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Mas não é só o PL que está disposto a fustigar Nísia. O Centrão, dirigido por Lira, pressiona o governo porque cobiça a cadeira da ministra. O orçamento da Saúde é o maior da Esplanada: R$ 232,06 bilhões.
O PT não aceitou negociar a presidência da Comissão de Saúde – que também lidera o ranking de emendas parlamentares, com R$ 4,5 bilhões para serem distribuídos entre seus integrantes – e nem a de Fiscalização e Controle, também conhecida por emparedar ministros.
“Nísia está sob fogo cruzado e vamos defendê-la”, afirmou o deputado Zeca Dirceu (PT-PR). Titular da Comissão de Educação, Zeca disse não acreditar que Nikolas terá apoio para fazer tantas “estrepolias” na Comissão de Educação. “Ele vai ser enquadrado de todos os lados”, argumentou.
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