BRASÍLIA - A dificuldade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para converter medidas provisórias (MPs) em leis é a maior registrada desde 2001, quando as regras atuais para esse tipo de proposta começaram a vigorar. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra que o atual chefe do Planalto só conseguiu transformar em norma legal 28,6% das medidas que enviou até agora.
O antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, havia conseguido converter 30,8% de suas MPs no mesmo período de seu primeiro ano de governo, 2019. No caso da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2011 e 2015, a taxa foi de 75%. Nos começos dos dois primeiros mandatos de Lula, em 2003 e 2007, o aproveitamento foi de 100%. A gestão de Michel Temer não foi computada porque ele assumiu o mandato, originalmente de Dilma, já quase na metade.
Foram consideradas as medidas provisórias editadas até 12 de maio do primeiro ano de cada governo, data em que foi publicada a mais recente MP da atual gestão com tramitação já encerrada.
“Como tem poucos deputados convictos em ser base do governo, e (Lula) prometeu muito para os partidos de centro comporem sua base, eles querem emendas, querem cargos. E como sabe a dificuldade de aprovar projetos, ele tenta governar através de medidas provisórias”, disse o líder da Oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ).
“Os deputados do centro querem dar o recado de que se não conceder o que eles estão pedindo, não vão aprovar as matérias”, completou. De acordo com ele, “mesmo através das MPs”, Lula está tendo muitas dificuldades.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), minimizou o quadro. Segundo ele, priorizar projetos de lei em vez de MPs é bom para a relação do Palácio do Planalto com o Congresso. “O presidente deu uma orientação de que as medidas provisórias que são extremamente necessárias, como a da tragédia do Rio Grande do Sul, precisam ser enviadas, mas dentro desse entendimento do que é realmente urgente e necessário”, disse. “É bom para a democracia”, emendou o petista.
Medidas provisórias têm força de lei do momento de sua publicação por até 120 dias. Precisam ser aprovadas pelo Congresso nesse intervalo de tempo para continuarem valendo depois. É um instrumento poderoso tanto por começar a vigorar independentemente da vontade dos congressistas quanto por, na prática, dar um prazo para Câmara e Senado discutirem o texto.
A dificuldade para aprovar medidas provisórias puxou para baixo o Índice de Governabilidade calculado pela empresa de inteligência de dados 4inteligence, como mostrou com exclusividade o Estadão/Broadcast na quarta-feira, 13. O índice estava em 48% em junho, passou para 46% em julho e chegou a 45% em agosto. De acordo com a empresa, isso é um reflexo dos obstáculos encontrados pelo Planalto para consolidar uma base no Legislativo.
Nesta semana, dois novos ministros tomaram posse, André Fufuca (Esporte) e Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), em novo avanço do Centrão no governo, que busca ampliar sua base no Congresso. Fufuca é do PP, e Silvio Costa Filho é filiado ao Republicanos.
Pressão de Arthur Lira
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem feito pressão para o governo enviar menos MPs e mais projetos de lei (PL), que passam a valer só depois da aprovação pelo Legislativo. Isso aumenta o poder do Congresso, mas principalmente da Câmara: as propostas do Executivo são avaliadas primeiro pela Casa Baixa, que posteriormente decide se aceita ou não as alterações feitas pelo Senado. Em medidas provisórias, as principais mudanças são feitas em comissões formadas por deputados e senadores.
O assunto foi tema de conversa entre Lira e Lula. “Ouvi dele a intenção de reduzir o envio de MPs, um anseio do Congresso Nacional”, escreveu o presidente da Câmara em seu perfil no Twitter depois de uma visita ao petista no Palácio da Alvorada em junho.
Houve um impasse no primeiro semestre sobre a tramitação das MPs no Congresso. Lira queria manter o rito de análise de medidas provisórias que havia sido adotado temporariamente na pandemia, sem as comissões de deputados e senadores. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), insistiu na retomada do rito constitucional, com os colegiados, e ganhou.
Descontente, o presidente da Câmara até topou votar nos colegiados as MPs mais caras ao governo que já tinham sido enviadas, como a do Bolsa Família e a do Minha Casa, Minha Vida. Por outro lado, conseguiu que o Planalto transformasse outras MPs em projetos de lei com urgência constitucional, como no caso do voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O cenário é diferente do encontrado por Lula no início de seus primeiros governos, quando a Câmara era presidida por petistas. Em 2003, João Paulo Cunha (SP) era o presidente. Depois, em 2007, quem comandava a Casa era Arlindo Chinaglia (SP).
Além disso, nos primeiros 8 anos de Lula no Planalto o governo federal tinha maior poder sobre a liberação de recursos para obras nas bases eleitorais de congressistas. Hoje essa verba é mais volumosa e depende menos do Executivo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também contribuiu para enfraquecer as medidas provisórias. Em 2017, a Corte confirmou que propostas de emenda à Constituição, projetos de lei complementar, de resolução e decretos legislativos podem ser votados antes de MPs com prazos próximos do vencimento. Com isso, ficou mais fácil para os congressistas deixar as MPs caducarem.
Veja a seguir os números de cada presidente nesse período:
- Lula (2003) - 16 MPs convertidas de 16 editadas;
- Lula (2007) - 29 MPs convertidas de 29 editadas;
- Dilma (2011) - 9 MPs convertidas de 12 editadas;
- Dilma (2015) - 6 MPs convertidas de 8 editadas;
- Bolsonaro (2019) - 4 MPs convertidas de 13 editadas;
- Lula (2023) - 6 MPs convertidas de 21 editadas;
Método do levantamento
A reportagem tabulou a lista de medidas provisórias do site do Palácio do Planalto. Foram computadas as MPs editadas até 12 de maio do primeiro ano de cada governo a partir de Lula 1. As atuais regras para esses projetos começaram a existir só no final da gestão de Fernando Henrique Cardoso, por isso não é possível incluir o governo do tucano na comparação.
A data de 12 de maio foi escolhida porque é quando o Planalto baixou a mais recente MP com tramitação completa - a 1.174, que perdeu a validade na segunda-feira, 11. Outras 13 foram publicadas depois, mas não é possível colocá-las na conta porque elas ainda tramitam no Congresso.
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