BRASÍLIA - A Câmara aprovou nesta terça-feira, 25, o regime de urgência para a tramitação do projeto de lei das Fake News em meio à pressão de um bloco de deputados e das Big Techs para retardar a análise do texto. A proposta teve 238 votos a favor e 192 contrários. A tramitação mais rápida passou após o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), usar o regimento interno para diminuir a quantidade de votos necessários para aprovação.
Lira cobrou publicamente os líderes, durante a sessão, para que cumprissem um acordo feito em uma reunião que durou 3 horas na sua residência oficial. Sem chegar a um consenso, o presidente afirmou que o regimento interno lhe dava o direito a escolher três votações por legislatura para definir quórum e escolheu o menor para aprovar regimento de urgência do PL das Fake News.
Caso Lira não usasse do poder que tem o governo precisaria de 257 votos para aprovar o regime de votação mais rápida. O regime de urgência acelera a tramitação de projetos, pois dispensa formalidades do regimento da Câmara.
Entenda
O governo Lula trabalhava para adiantar a votação de todo o projeto nesta semana, mas só conseguiu acelerar a discussão sobre o regime de urgência. A votação sobre o mérito, que estava prevista para quinta-feira, 27, ficará para a semana que vem. Até lá, a oposição ganhou tempo para negociar o texto, que deve ser entregue pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), na quinta.
Deputados do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, contestam o projeto e querem barrar o andamento da proposta. Segundo Lira, o PL foi responsável por 80% das mudanças já feitas no projeto. A sigla critica, por exemplo, a criação da entidade autônoma de supervisão pelo Poder Executivo, prevista no projeto. A agência seria responsável por fiscalizar o cumprimento da lei pelas plataformas e aplicar sanções.
Mais cedo, o líder do Governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou ser “fundamental votar a urgência hoje”. “A matéria há 3 anos está pronta para ir ao plenário. Quem for contra é contra. Quem é a favor é a favor. O país precisa, a democracia brasileira precisa desse PL”, declarou.
O deputado participou de uma reunião com outros líderes na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), no começo da tarde desta terça para “contar votos para saber se temos como aprovar”. Segundo Guimarães, o projeto tem de ser votado, “doa a quem doer”.
“De hoje para amanhã, nós temos que resolver esse impasse aqui dentro. É o enfrentamento de concepções diferentes sobre como utilizar as fake news como instrumento político”, disse.
Um bloco com mais de cem deputados pressiona Lira retardar a votação do Projeto de Lei das Fake News. O movimento também conta com apoio das chamadas big techs, como Google e Meta - controladora do Facebook e do Instagram. Os dois grupos afirmam que é preciso mais debate e defendem a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o texto antes de levá-lo ao plenário.
No movimento para impedir a aprovação da regulação do setor, o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) chegou a dizer que o texto poderia banir trechos da Bíblia das redes sociais. “É preciso ser muito canalha para criar uma fake news envolvendo religião para atacar o projeto” rebateu o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE).
Big Techs
Ao mesmo tempo em que líderes se reuniam com Lira para discutir a tramitação do PL, representantes das big techs participavam de um almoço com deputados em uma casa no Lago Sul, em Brasília. Na reunião promovida pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o diretor de Políticas Públicas do TikTok, Fernando Gallo, foi direto. “Com muita humildade, nós queremos pedir que as senhoras e os senhores parlamentares rejeitem a urgência desse PL e apoiem a criação de uma comissão especial destinada a debater o tema”, afirmou.
A chefe de Políticas Públicas da Meta, Monica Guise, também criticou pontos do projeto de lei. A empresa controla Facebook e do Instagram. Na avaliação de Guise, a proposta transfere um poder de polícia para as plataformas ao obrigá-las a instalar um monitoramento. A representante classificou o trecho com “obrigação de vigilantismo quase que chinês”.
“Não faz sentido, com esse nível de consequência, a gente aprovar na correria, aos 48 do segundo tempo, uma proposta que tem tanta novidade e que tem tanta consequência para o ecossistema digital no Brasil”, disse.
Guise afirmou ainda que gera “muita preocupação” a criação da entidade autônoma de supervisão pelo Poder Executivo, prevista no projeto. A agência seria responsável por fiscalizar o cumprimento da lei pelas plataformas e aplicar sanções. “Se eu fosse traduzir para uma linguagem mais comum, que está presente no nosso imaginário até literário, nós entendemos a introdução dessa entidade quase que como um Ministério da Verdade”, declarou.
Participaram do encontro, diretores do Google e da Meta. Um dos alvos de crítica dos representantes das big techs foi o tratamento dado pelo PL a conteúdos pagos em redes sociais. Um trecho da versão mais atualizada do texto estabelece quais são as obrigações das empresas que controlam redes sociais com mais de 10 milhões de seguidores. A proposta prevê responsabilidade “solidária” das plataformas com usuários, quando houver danos causados por conteúdos cuja distribuição tenha sido feita mediante pagamento feito por eles às empresas. Na avaliação das empresas, o projeto cria problemas para a publicidade digital.
A versão mais recente do PL prevê ainda que políticos não poderão bloquear seguidores em seus perfis oficiais nas redes sociais e que aplicativos de mensagens devem limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias, por exemplo. Há previsão de multa entre R$ 50 mil e R$ 1 milhão, por hora, para empresas que não cumprirem decisões judiciais para “remoção imediata de conteúdo ilícito”. Divulgação de desinformação passará a ser punida com até três anos de prisão.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.