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Governo Lula trava conselho de proteção de dados e mantém no comando indicado da gestão Bolsonaro

Em seis meses de governo, presidente ainda não substituiu presidente do CNPD escolhido por Bolsonaro, o que gerou paralisia nos trabalhos do órgão

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Foto do author Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) paralisou o funcionamento do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD) e comprometeu a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável por garantir sigilo às informações dos brasileiros. A paralisia foi provocada porque, em seis meses de governo, não ocorreu a designação de um novo presidente para comandar o colegiado.

O Conselho é o órgão consultivo da ANPD. Seus membros subsidiam o trabalho da Autoridade Nacional por meio da proposição de “diretrizes estratégicas” para a elaboração da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade. Os conselheiros também redigem relatórios e estudos que descrevem a evolução dos debates sobre o tema no País, além de serem os responsáveis legais por “disseminar o conhecimento” relacionado à proteção de dados entre a população.

Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) cuida da privacidade das informações dos brasileiros Foto: INTS KALNINS/REUTERS

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Desde o dia 1º de janeiro deste ano, porém, essas funções estão comprometidas. O atual presidente do CNPD é o engenheiro Jonathas de Castro, que foi secretário executivo da Casa Civil na gestão do senador Ciro Nogueira (PP-PI) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Cabe ao presidente do Conselho convocar as reuniões do grupo, nas quais são feitas as discussões para amparar o trabalho da ANPD. O calendário da instituição previa dois encontros ainda no primeiro semestre deste ano, o que não ocorreu.

Um dos conselheiros do CNPD disse em conversa reservada com o Estadão que Castro se afastou do trabalho no colegiado após a sucessão presidencial. O último ato assinado pelo atual presidente é de dezembro do ano passado, quando ele prorrogou até abril deste ano as atividades de cinco grupos de trabalho (GTs) que pesquisam temas como a transferência internacional de dados e o impacto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no serviço público. Apesar da extensão do prazo, parte dos GTs não conseguiu concluir os relatório a tempo, ou então entregou materiais inconclusivos.

Sem um presidente atuante, o Conselho fica impedido de trabalhar. Caberia a Castro renunciar ao cargo ou então ao governo Lula, por meio do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), determinar a troca de comando, o que também não ocorreu. Em seu primeiro dia de governo, Lula assinou um decreto que transferiu da Casa Civil para a pasta da Justiça a competência de designar o presidente do órgão.

Interlocutores do atual presidente do CNPD afirmam que ele não convocou reuniões neste ano por compreender que o grupo trata de temas sensíveis que, eventualmente, podem contrariar a política do governo Lula. Ele também argumenta, segundo interlocutores, que a sua escolha para presidir foi feita por Bolsonaro, o que pode gerar atrito com a atual gestão caso passe a despachar. Pessoas próximas a Castro também dizem que ele decidiu aguardar a decisão do Ministério de Justiça e, até lá, optou por não tomar decisões. Procurado, Castro preferiu não se manifestar.

O Ministério da Justiça disse ter encaminhado “minuta de decreto para alterar a presidência” do CNPD e adequá-la ao novo “vínculo com a pasta”, mas não informou qual o prazo previsto para que a substituição seja feita. “O texto ainda está em tramitação no governo e encontra-se neste momento em análise no Ministério da Gestão e Inovação (MGI)”, diz a nota.

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Organizações da sociedade civil que atuam com a proteção de dados no País chegaram a publicar em maio deste ano um manifesto em defesa da retomada do funcionamento do CNPD. No texto, as entidades destacam que as atividades do colegiado estão paralisadas num momento em que “assuntos relevantes” passaram a ser discutidos. A ANPD está no centro do debate sobre quem fará a regulação das redes sociais, caso o Projeto de Lei (PL) das Fake News seja aprovado pelo Congresso.

“Essa inação pode contribuir para a fragilização do sistema de proteção de dados pessoais no Brasil, impactando negativamente a eficiência regulatória, uma vez que o Conselho é composto por especialistas legitimados por um processo democrático que muito vinham contribuindo com suas visões setoriais de mercado no diálogo institucional para a formatação de políticas regulatórias legítimas e interpretações regulamentares compatíveis com a realidade social perante a ANPD”, constou no documento assinado por organizações como a Associação Brasileira de Governança Pública de Dados Pessoais (govDADOS).

Além do presidente, o CNPD passará obrigatoriamente por um processo de substituição dos conselheiros indicados pela sociedade civil e por entidades setoriais. Representantes de instituições cientificas, confederações sindicais, entidades empresariais e laborais poderão indicar nomes à diretoria da ANPD, que formulará lista tríplice de titulares e suplentes a serem escolhidos por Lula. A substituição deve ocorrer até agosto, mês em que expira os mandatos desses conselheiros. Mas, há um mês do prazo, o órgão ainda se encontra na fase de recebimento das candidaturas.

Questionada pela reportagem, a Casa Civil disse que o CNPD foi transferido para o Ministério da Justiça e “está funcionando normalmente”. “O processo de renovação do CNPD está em andamento, tanto dos conselheiros de governo quanto da sociedade civil, cujo mandato acaba em agosto. No caso de conselheiros da sociedade civil, está ocorrendo o processo eleitoral para encaminhamento de lista tríplice ao presidente”, afirmou em nota.

Aparelhamento por Bolsonaro

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O papel do CNPD se destaca ainda mais por causa do cenário em que se encontra a ANPD. Três dos seis diretores do órgão são militares indicados por Bolsonaro, dentre eles o presidente Waldemar Gonçalves Ortunho Junior.

Desde a criação da ANPD, em 2020, especialistas criticam a presença de militares em seu comando e acusam Bolsonaro de ter aparelhado o órgãos. Os cargos de diretores, diferentemente dos de conselheiros, são estabelecidos por mandato. Waldemar ficará no cargo até 2026 porque a lei prevê mandatos de seis anos aos presidentes. Já Joacil Rael e Arthur Sabbat, ambos formados na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), permanecerão no cargo até 2024 e 2025, respectivamente.

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