Tão logo ocorreram as primeiras mortes em São Paulo em decorrência da pandemia do novo coronavírus, em março do ano passado, a direção do jornal tomou uma decisão rápida, antes mesmo de o governo do Estado decretar quarentena: a equipe toda passaria a trabalhar em regime de home office – situação que permanece até hoje.
Em 146 anos de história, a covid não foi a primeira pandemia vivenciada pelo Estadão. No fim da década de 1910, a gripe espanhola deixou toda a chefia do jornal doente. Numa certa noite de 1918, em que não havia ninguém para fechar a edição, coube a Monteiro Lobato, então freelancer do jornal, assumir a tarefa com mais alguns colegas, que conduziram a redação até que a equipe se restabelecesse.
“Irrompera a gripe, que breve se tornou calamidade pública. A preocupação de todos era uma só – a gripe. O trabalho de todas as conversas era um só – a gripe. O trabalho de todos, um só – socorrer gripados. E toda gente ia caindo de cama. O número dos conhecidos mortos começava a assustar”, descreveu Lobato em um artigo publicado no Estadão quase três décadas depois, em 1945.
“As notícias na sala de redação passaram a ser de um só tipo. ‘Chegou telefonada de Louveira. Julio Mesquita caiu.’ E logo depois: ‘Sabem quem caiu? Julinho. E Chiquinho também’. Já ninguém dizia ‘cair com gripe’, ou ‘adoecer’, e sim, e só, ‘cair’”, descreve ele se referindo à família proprietária do jornal.
Na sequência ficaria doente Nestor Rangel Pestana, secretário de redação. Assim como seu substituto e o substituto dele. “Aconteceu que, em certo momento, todo o estado-maior do jornal ficou fora de combate”, conta Lobato.
“Lembro-me da noite em que só encontrei Filinto Lopes. O jornal estava acéfalo e ameaçado de não sair no dia seguinte. Falta de quem o dirigisse. Lá na ‘Vala Comum’, isto é, na sala geral dos redatores, cozinheiros e repórteres, a brecha aberta pela gripe fora de 50% ou mais, e ali na sala do secretário o desfalque era integral.” Lobato e Lopes assumiram o jornal e o conduziram por duas semanas. “Todos na cama e o jornal a sair”, brincou Pestana ao saber como se deu o “milagre”.
O episódio refletiu bem a rapidez com que a doença se espalhou no Brasil e o tamanho do dano que ela causou. Reportagens publicadas no Estadão, principalmente quando a gripe chegou a São Paulo, em outubro de 1918, mostram similaridades com o que ocorreu com a covid-19, em especial a defesa pelo isolamento social. Num primeiro momento, porém, chegou a se imaginar que nada mais era “senão a gripe, a influenza comum” e a espanhola foi até mesmo chamada de “benigna” – classificação que não tardou a mudar de tom.
Em 15 de outubro daquele ano, o Serviço Sanitário Estadual de São Paulo decretou estado epidêmico, que teve como resultado prático a suspensão das aulas nas escolas e o fechamento de estabelecimentos comerciais e de entretenimento. Em pouco tempo, a rotina da população mudou, havia cortejos e coletas de corpos continuamente, assim como a necessidade de construção de novos cemitérios.
Números
A diferença é que o surto foi realmente rápido, durando pouco mais de dois meses, nos quais 5.331 pessoas morreram da gripe, de acordo com as contas oficiais da cidade. De covid-19 já morreram na capital paulista mais de 15 mil pessoas. A história daquela pandemia – e de outras coberturas históricas dos últimos 146 anos – pode ser vista nas páginas do Acervo Estadão.
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