BRASÍLIA - O grupo Prerrogativas, formado por cerca de 400 juristas – parte deles advogados de réus da Lava Jato –, deve ocupar ao menos quatro vagas formais nas equipes temáticas do governo de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Conforme apurou o Estadão em conversas com membros do coletivo, os advogados devem propor aos novos ocupantes do Palácio do Planalto projetos de remodelação do sistema de Justiça, como a criação de uma lista sêxtupla para escolha do procurador-geral da República e a mudança na composição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O grupo ficou conhecido pela atuação contra a operação Lava Jato e por pautar ações no Supremo Tribunal Federal (STF) que acabaram contribuindo para a reversão das condenações de Lula. Os membros do Prerrogativas contribuíram para unir pela primeira vez Lula e o agora vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) num evento público, quando a aliança entre os dois ainda era discutida a portas fechadas.
Como revelou o Estadão ao fotografar uma lista com anotações manuscritas carregada por Alckmin, o coordenador do Prerrô (abreviação do coletivo), Marco Aurélio de Carvalho, integrará o subgrupo de “integridade e controle” dentro da estrutura que vai debater Justiça e Segurança Pública na transição. Outros membros do grupo ainda devem atuar como voluntários.
Dentre os membros do Prerrogativas que ainda serão nomeados por Alckmin para ocupar cargos formais na transição estão os juristas Alvaro Gonzaga, que cuidará do núcleo de questões indígenas; Fabiano Silva dos Santos, na Previdência; Vinicius de Carvalho, ex-presidente do Conselho de Administração e Defesa e Econômica (Cade), que atuará na Infraestrutura; e Sheila de Carvalho, designada para tratar das pautas de Igualdade Racial e Segurança Pública. O grupo ainda acertou a participação da advogada Gabriela Araújo como voluntária no núcleo de Direitos Humanos.
A proposta de modificação da atual lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) para escolha do chefe da PGR ainda é discutida internamente por membros do Prerrogativas, que dizem ser necessário amadurecer a ideia antes de apresentá-la a Alckmin. Integrantes com influência no grupo defendem a adoção da lista sêxtupla, que passaria a contar com o envolvimento de todos os ramos do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A regra atual só autoriza os membros MP Federal a participar da votação e a concorrer na eleição que define os indicados para escolha do presidente.
Já a proposta de remodelar o CNJ e o CNMP gera mais consenso no grupo e consta entre os principais projetos a serem levados para a transição. O grupo defende reviver a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê mudar a composição do Conselhão do MP. O texto, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), foi apelidado de PEC da Vingança por procuradores e teve um substitutivo rejeitado pela Câmara em outubro do ano passado. A medida era vista por críticos como uma tentativa de retaliação do PT à Lava Jato.
À época, a discussão causou mobilização nas redes sociais, contado até mesmo com o apoio da ex-BBB Juliete contra o projeto. Segundo membros do Prerrô, a rediscussão da PEC é necessária para “oxigenar” a composição do CNMP e CNJ, que passariam a contar com maior participação da sociedade civil e do Congresso no processo de escolha dos integrantes.
Outra ideia discutida pelo Prerrogativas a ser pautada no grupo temático de Justiça é a de o governo encampar no Congresso a defesa de um projeto que imponha quarentena aos juízes e procuradores com ambições políticas. Uma medida como essa teria impedido que o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) fosse eleito senador pelo Estado do Paraná.
Os advogados do campo progressista ainda defendem reciclar todas as carreiras de Estado na área da Justiça para que adotem em suas formações debates antirracistas. O Prerrogativas também deve sugerir ao governo a revisão dos protocolos de abordagem da Polícia Federal (PF), da Guarda Nacional, da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do serviço penitenciário para evitar novas ações como a que culminou na morte de Genivaldo de Jesus por asfixia em uma câmara de gás improvisada em viatura da PRF.
Por fim, os juristas cobram o fortalecimento de todos os ramos das Defensorias Públicas e o desmembramento do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A pasta foi unificada em 2019, no início do governo de Jair Bolsonaro (PL).
‘Padrinhos’ de Lula e Alckmin
Os membros do Prerrogativas foram os responsáveis pelo primeiro encontro público entre Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), em dezembro de 2021, quando o ex-governador paulista ainda era filiado ao PSDB.
O jantar promovido pelo Prerrogativas em dezembro do ano passado foi decisivo para selar a aliança entre o petista e o então tucano Alckmin. Na ocasião, as discussões sobre uma possível chapa Lula-Alckmin já estavam avançadas nos bastidores, mas ainda careciam de um gesto público sobre a união dos dois políticos que rivalizaram na política nacional durante os primeiros governos do PT no Executivo Federal.
O encontro entre Lula e Alckmin foi batizado de “Jantar pela Democracia” e reuniu, em São Paulo, cerca de 500 convidados, incluindo governadores e outras lideranças de ao menos nove partidos, como PT, PSDB e MDB. A reunião de líderes contou com cortejos de Lula ao seu cobiçado vice. No encontro, o petista afirmou que dependia dos partidos de ambos para selar a aliança.
A festa ainda contou com diversos ataques à Operação Lava Jato, cujos integrantes foram responsáveis pela prisão de Lula por 580 dias na carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba. O próprio Prerrogativas, que organizou o evento, ficou conhecido por rivalizar juridicamente com os membros da força tarefa e passou a ser conhecido como um grupo “antilavajatista”. Integrantes do coletivo defendem agora que Lula deve concentrar na área jurídica em restabelecer a relação institucional com a magistratura, sobretudo com o STF, que teria sido destruída durante o governo Bolsonaro.
Após a vitória da chapa Lula-Alckmin, os advogados do grupo adotaram um “pacto de silêncio” sobre as definições do governo de transição. A ideia era não interferir, ou pressionar, com indicações a formação da equipe que fará a passagem de bastão de Bolsonaro para Lula. Segundo Marco Aurélio, foi feita uma sinalização ao ex-ministro Aloísio Mercadante (PT) de que os membros do Prerrô estariam à disposição do governo de transição tanto para atuar como voluntários quanto para indicar nomes ao estafe sob coordenação de Alckmin.
“O nosso apoio ao presidente Lula é decidido, determinado e absolutamente incondicionado. Ele vai ter o apoio do grupo para o que quiser. Nós já colocamos nosso nome à disposição do Mercadante e, se chamado, apenas e tão somente, vamos colaborar, mas não vamos apresentar nomes e não entraremos em disputas. Nós queremos colaborar com a reconstrução do País”, afirmou Marco Aurélio. “A princípio será uma participação voluntária. Salvo na hipótese de sermos convidados, aí integramos (a equipe). Mas, se não formos, a gente entende que o presidente Lula tem a sua disposição os melhores nomes, com as melhores credenciais, para fazer a melhor transição”, prosseguiu.
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