Grupo de Cid tinha chefes de batalhões, instrutores de escolas militares e ex-assessor de deputado

‘Estadão’ identificou sete dos dez integrantes do grupo de WhatsApp “Doss”, investigado pela Polícia Federal a respeito dos atos golpistas de 8 de Janeiro, em Brasília

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Foto do author Weslley Galzo
Atualização:

Investigado pela Polícia Federal, o grupo de WhatsApp “Doss”, do qual participava o tenente-coronel Mauro César Cid, ex-chefe da ajudância de ordens de Jair Bolsonaro (PL), era composto por comandantes de unidades do Exército, instrutores de escolas militares e até por um oficial da reserva que foi assessor parlamentar do então deputado federal major Vítor Hugo (PL). O Estadão conseguiu identificar sete deles.

Os dados do grupo de WahtsApp estavam no telefone do tenente-coronel Mauro Cid  Foto: REUTERS/Adriano Machado

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Em comum, o fato de todos os militares serem Forças Especiais (F.E.), integrantes do Exército especializados em operações especiais, um grupo com forte presença no governo de Bolsonaro – os ex-ministros Eduardo Pazuello e Luiz Eduardo Ramos eram F.E., por exemplo. Entre os identificados pelo Estadão está o coronel de cavalaria Rodrigo Lopes Bragança Silva, atualmente lotado na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas.

Ele acompanhava de perto o jornalista Paulo Figueiredo, que acusava, após as eleições de 2022, os generais do Alto Comando de serem melancias – verde por fora e vermelhos por dentro. O militar comenta no grupo Doss, em 29 de novembro de 2022, que estava circulando uma carta aberta para que oficiais assinassem contestando a atuação do Poder Judiciário no pleito vencido por Luiz Inácio Lula da Silva.

Como resposta, um outro colega do coronel posta a carta no grupo. Bragança Silva provoca os amigos. “E aí, agora todos colocaremos o nome nessa rela aí, né?” E conclui: “Ou seremos leões de Zap”. Uma referência aos valentões das redes sociais que nada fazem no mundo real.

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Também fazia parte do grupo o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, que trabalhou no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo Bolsonaro e foi recentemente nomeado para comandar a 3ª Companhia Forças Especiais, em Manaus. Ferreira Lima é um dos mais ativos no “Doss”. Naquele 29 de novembro, ele respondeu a Bragança Silva: “Ainda nem é possível avaliar o efeito de tudo isso na Força”.

Ao perceber que o Exército não ia aderir ao golpe, o tenente-coronel Ferreira Lima lamenta: “O foda é que ficou gostosinho demais sermos só isso. Salário garantido, guerreiro com absoluta certeza de não guerrear, uma escapada ou outra ganhando bem por aí... ficou bom demais para querermos sair desse conforto.” Ele conclui: “Não vai rolar mesmo.” Na Escola de Comando e Estado Maior (Eceme), ele teve como instrutor outro F.E presente no grupo de WhatsApp: o coronel Gian Dermário da Silva.

Gian, como é conhecido, assumiu em 2022 o Centro de Instrução de Operações Especiais (CI Op Esp), em Niterói (RJ), no Forte Imbuhy. Em sua posse, o então ministro Ramos esteve presente. No grupo, Gian deixa claro o que pretende fazer do centro: ensinar aos alunos oficiais como reagir à tática que ele chama de ‘guerrilha 2.0′, uma alusão à forma como forças identificadas com a esquerda teriam chegado ao poder no Brasil, não mais pelas armas, mas pelo voto e por meio do que ele chama de lawfare, uma alusão à atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as aleições de 2022.

Ele escreve: “Guerrilha 2.0, aproximações sucessivas e indiretas. Sun Tzu puríssimo do Séc XXI. Estão tomando o Poder sem disparar um tiro, com Lawfare, expressão militar do PN em segundo plano, esforço principal em manobras jurídicas e política, com Op Info moldando o psicossocial ... perderam as guerrilhas rurais e urbanas no Séc passado, para se reinventarem no globalismo/progressismo socialista. Puta que o pariu, TUDO QUE ADOTAMOS E SABEMOS, mas ficamos amarrados no POLITICAMENTE CORRETO. Daremos muita ênfase por aqui nessa disciplina do CFEsp, se Deus nos permitir, Deus é Grande e será!”.

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A mensagem é de 27 de novembro de 2022. Além de Gian, participam das conversas o major da reserva – e ex-assessor parlamentar do deputado Vítor Hugo – André Luiz Pereira da Silva, o Bodão. Outro Força Especial, Bodão ganhava R$ 14 mil na Câmara dos Deputados quando trabalhava para o deputado. É formado na turma de 1996, da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). E gravou lives do Papo Caveira, mantido pelo então líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Outro oficial flagrado pela PF nas conversa é o coronel Márcio Nunes de Resende Junior, que comandou o 1.º Batalhão de Logística de Selva. Também Força Especiais e formado na mesma turma de Bodão na AMAM, ele estava no Estado-Maior do Exército quando participou do grupo de WhatsApp, onde ocupa atualmente a Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Classificados (CPADC).

No dia 21 de dezembro, ele escreveu para os amigos: “Se o Bolsonaro acionar o artigo 142, não haverá general que segure as tropas. Ou participa ou pede para sair!!!” De acordo com juristas, a interpretação de que o artigo 142 da Constituição, que trata das as Forças Armadas na Constituição, daria ao Exército uma espécie de poder moderador na República, autorizando que ele agisse para resolver conflitos entre os demais Poderes, é golpista e não tem amparo legal.

Outro oficial alvo da PF é o coronel Jorge Alexandre Oliveira de Medeiros de Souza, que trabalhou na 12.ª Região Militar e pertenceu ao 1.º Batalhão de Ações de Comando. É ele quem posta no grupo a primeira mensagem investigada pela PF pelo seu cunho político-partidário: “Generais de Lula tomarão posse em dezembro”. Gian respondeu com uma frase que lembrava uma antiga manifestação do então vice-presidente Hamilton Mourão: “Tentativa de aproximações sucessivas e de aumentar a divisão da Força.”

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Por fim, outro militar identificado é o coronel Anderson Corrêa dos Santos, que trabalhou no gabinete da intervenção federal do Rio, em 2018. Ele comandava o Batalhão de Apoio às Operações Especiais até 22 de janeiro de 2021, quando foi fazer o Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. No grupo, o coronel acreditava que o País estava caminhando para uma crise institucional “muito forte” e afirmava que a ruptura já havia ocorrido havia tempo. Recentemente, foi condecorado pelo presidente Lula com a ordem do Mérito Militar.

Por fim, há entre os integrantes do curso um militar que se apresenta como Felipe SIEsp. A sigla é uma referência à Seção de Instrução Especial da AMAN. O telefone do militar tem o prefixo 024, que é o mesmo da cidade de Resende, no Rio, sede da academia. Apesar dos dados conhecidos, não foi possível determinar sua identidade. Outros dois participantes do grupo permanecem sem identificação.

Nas mensagens mais recentes, após os ataques à sede dos três Poderes, o coronel Márcio Resende demonstrou preocupação. Temia que alguém estivesse lendo as mensagens do grupo. Recebeu como resposta do tenente-coronel Ferreira Lima a seguinte mensagem: “Aqui ninguém está combinando tomar o poder. São apenas opiniões.” É justamente isso que a Polícia Federal está investigando.

“Conjectura” e “grupo de amigos”

A reportagem entrou em contato com todos os oficiais citados. O coronel Gian Dermário disse que o grupo existia há cerca de dez anos e que não tinha uma finalidade específica. “Devem ser (as mensagens que trocou) só conjecturas, pois estudamos muito os vários tipos de conflitos atuais que ocorrem atualmente pelo mundo, em todos os aspectos, é a nossa profissão, estudar essas variações atuais, apenas isso”, disse, por mensagem.

O major André Luiz, por sua vez, disse que se trata de um “grupo de amigos para falar de tudo”. O coronel Rodrigo Lopes Bragança atendeu e desligou rapidamente antes que fosse possível fazer perguntas. Pelo WhatsApp, Bragança escreveu “não responderei nada”. O coronel Márcio Resende confirmou que o telefone pertencia a ele, mas desligou após a reportagem se identificar. Os demais não responderam nem atenderam às chamadas.

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