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Grupo internacional que investiga lavagem de dinheiro mira joias preciosas no Brasil

HStern vai ajudar a definir medidas preventivas para evitar que pedras preciosas sejam usadas em lavagem de dinheiro

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Foto do author Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA - Uma missão do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi) vai ouvir na próxima quarta-feira, 22, os dirigentes da joalheria HStern para elaborar propostas de ações de combate à lavagem de dinheiro por meio de pedras preciosas. A mais influente entidade internacional de combate ao crime financeiro ficará no Brasil até o começo de abril em reuniões sigilosas nas quais vai avaliar a estrutura de investigação e repressão ao crime no País.

O Estadão apurou que o Gafi irá discutir com a HStern a adoção de “medidas preventivas”. Em 2017, a joalheria fechou uma delação premiada com o Ministério Público Federal sobre denúncias de lavagem de dinheiro. Uma diretora da empresa afirmou, na época, que levava anéis de brilhante e pedras preciosas até a casa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, para que ele e a então mulher, a advogada Adriana Ancelmo, escolhessem as peças. As joias eram pagas em dinheiro vivo e, algumas, sem nota fiscal. Segundo o Ministério Público, as joias era avaliadas em R$ 6 milhões. Preso em 2016 no âmbito da Lava Jato, Cabral passou seis anos em prisão fechada. No mês passado, ele teve a prisão domiciliar suspensa pelo Tribunal Regional Federal, no Rio.

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No início de março, o Estadão revelou que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro tentou entrar com joias presenteadas pelo regime da Arábia Saudita sem declarar à Receita Federal. Um caixa com colar, anel e brincos foi avaliada em R$ 16 milhões.

No diagnóstico do Gafi, as joalherias estão entre os setores com maior risco de lavagem de dinheiro. O grupo recomenda que os países criem leis que obriguem esses profissionais a identificar seus clientes, manter um cadastro atualizado e comunicar operações financeiras suspeitas a um órgão específico. No Brasil, quem recebe essas comunicações é o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), atualmente subordinado ao Banco Central.

Em nota, a HStern informou que, após ter sido “sancionada” pelo Coaf com o pagamento de multas, foi indicada pelo próprio órgão para representar o Brasil na reunião do Gafi. A joalheira ressaltou que a indicação ocorreu pelo fato de ser um representante do mercado. “Esse reconhecimento é resultado do constante aprimoramento do programa de conformidade da empresa, composto por ferramentas tecnológicas destinadas a minimizar riscos e gerenciar aqueles que, porventura, possam ser identificados”, informou.

“Os procedimentos da HStern vêm sendo constantemente revistos e aprimorados a fim de garantir a adesão integral da empresa às normas legais, bem como às novas regulamentações editadas sobre o tema”, complementou. Uma das mais tradicionais joalherias do País, a HStern foi fundada no Rio de Janeiro e está presente em 70 países.

O órgão reconhecido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas fará 58 reuniões confidenciais no Brasil com agentes da Polícia Federal, técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU), procuradores e representantes de bancos públicos e privados. Criado em 1989, o Gafi é uma organização intergovernamental que elaborou guias com padrões de prevenção e combate já adotados por mais de 200 países.

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Em conversas reservadas, autoridades brasileiras da área de combate à lavagem de dinheiro que acompanham a visita do grupo disseram à reportagem que a análise do Gafi é classificada como “muito detalhada” e identifica os problemas na “lupa”. É um grupo “pequeno, mas que faz um barulho enorme”, disse uma dessas fontes. Uma avaliação negativa do Gafi significa ao País problemas de reputação no exterior, perda de investimento, maior dificuldade em acessar crédito internacional e constrangimento diplomático.

A expectativa das autoridades ouvidas pelo Estadão é que o Brasil não deve obter a pior avaliação, mas pode receber “uma nota média baixa”. Os especialistas apontam como motivos, por exemplo, a falta de um sistema com estatísticas jurídicas precisas, a lentidão dos processos judiciais no País, a dificuldade em checar quem são os beneficiários finais das empresas e até a Operação Lava Jato. Segundo as autoridades, a investigação pode ser uma faca de dois gumes, pois houve condenações em 1ª instância, mas diversos processos foram anulados, o que pode gerar uma insegurança jurídica.

O grupo desembarcou em Brasília no domingo, 12, e passará ainda por São Paulo e Foz do Iguaçu. A missão vai analisar as leis e as instituições brasileiras que combatem a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo e se as regras existentes são efetivas na prevenção aos crimes. As normas vigentes no País precisam estar alinhadas aos padrões internacionais estabelecidos pelo Gafi.

Na segunda-feira 13, o secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, participou da primeira reunião com o Gafi. Ao Estadão, ele relatou que os integrantes do grupo “estão completamente inteirados de tudo o que está acontecendo” no País.

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O Gafi terá outro encontro com o mesmo tema, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no dia 28 de março. No Brasil, os advogados não constam nominalmente da lei de lavagem de dinheiro. A ausência dos advogados na legislação abriu uma frente de discussão sobre a necessidade ou não de os profissionais serem obrigados a adotar procedimentos especiais. Os conselhos federais de Economia e de Contabilidade criaram regulamentos internos próprios e supervisionam seus profissionais, que constam da lei.

O Senado tem um projeto que altera a lei de lavagem de dinheiro e inclui “pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços de advocacia ou de consultoria jurídica ao mecanismo de controle e prevenção” ao crime. A proposta é de 2020 e está sob relatoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), aguardando parecer.

Funcionamento

O Brasil é um dos 36 países-membros do Gafi e passa pela quarta rodada de avaliação. O grupo esteve três vezes no País. Na primeira viagem, em 2000, o Brasil tirou a nota máxima, 10. A análise, porém, foi considerada uma avaliação inicial. Na segunda, em 2004, a nota caiu para 8. Na última, em 2010, o Brasil recebeu nota 4,5, pois não tinha em vigor uma lei contra financiamento do terrorismo. Uma norma sobre o tema foi aprovada em 2016.

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A análise que ocorre neste ano estava prevista para 2020, mas atrasou por causa da pandemia da covid-19. A última ocorreu em 2010. Esta será a primeira vez que a missão analisará a atualização da lei brasileira de lavagem de dinheiro, alterada em 2012. Além da legislação, o grupo avaliará, por exemplo, o número de condenações proclamadas pela Justiça, de investigações contra lavagem de dinheiro, a quantidade de comunicações suspeitas feita pelos órgãos fiscalizadores e de dinheiro confiscado pelo Estado.

Após a visita ao Brasil, a equipe do Gafi vai elaborar um relatório com detalhes da avaliação do país, os pontos fortes e as deficiências. O documento é discutido com o país e submetido à aprovação da plenária do Gafi. Se o grupo identificar problemas graves, o país recebe um prazo para sanar as questões.

Além do Brasil, passam pela quarta rodada de avaliação a Guiné e a ilha de São Vicente e Granadinas. A Argentina será analisada em março do ano que vem. Países como Itália, Canadá e Áustria aguardam a quinta rodada de avaliação. A Rússia foi suspensa do Gafi em 24 de fevereiro deste ano por causa da invasão à Ucrânia.

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