Grupo que investiga caso Queiroz é ‘filho’ da Lava Jato no MP do Rio

Núcleo de promotores especializados no combate à corrupção já processou três ex-governadores e cobra R$ 2 bilhões em ações de ressarcimento em casos de desvio de dinheiro público

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O procurador-geral de Justiça do Rio, José Eduardo Gussem Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

RIO. Peça-chave na investigação do suposto esquema de desvio de dinheiro no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o grupo de elite no combate à corrupção do Ministério Público fluminense foi criado em novembro de 2016 para apurar os desdobramentos do esquema do ex-governador Sérgio Cabral descoberto pela Operação Lava Jato. Hoje já soma cerca de 400 procedimentos investigatórios envolvendo os chamados crimes do colarinho-branco.

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O Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc) tem acesso a uma rede de informações de inteligência do próprio MP e de órgãos externos de investigação – amplamente usada na Lava Jato –, e atua em casos de alta complexidade e de grande repercussão social de crimes envolvendo políticos e agentes públicos. Antes esses casos eram atribuição do Gaeco, grupo especializado em crime organizado e que atua principalmente contra milícias e narcotraficantes.

Em três anos de existência, a ação do grupo resultou em processos contra três ex-governadores (Cabral, Luiz Fernando Pezão e Anthony Garotinho), o ex-presidente da Alerj Jorge Picciani, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE), prefeitos e outros suspeitos de desvios em contratos como o de obras do metrô, do Maracanã e a máfia dos transportes. São cerca de 400 pessoas e empresas alvo das ações do Gaecc. Somados os valores pedidos nos processos, os réus podem ser condenados pela Justiça a terem que devolver R$ 2 bilhões aos cofres públicos, por seus crimes e atos de improbidade.

Sob sigilo e esquema de segurança rigoroso, os 15 promotores do Gaecc trabalham de portas fechadas no sétimo andar do edifício-sede do MP do Rio, no centro antigo da cidade – próximo do histórico prédio da Alerj. A coordenação da equipe é da promotora Patrícia do Couto Villela, que responde diretamente ao procurador-geral de Justiça, José Eduardo Gussem

Além de atuar dentro de um sistema de procedimentos padronizados e metodologia específica para ampliar o poder de apuração e de diligências, o grupo tem uma peculiaridade: centraliza investigações que servirão para acusações tanto na área criminal e como cível a serem apresentadas à Justiça, o que evita a dupla apuração sobre mesmo fato. 

Flávio Bolsonaro, senador (PSL-RJ) Foto: Fábio Motta/Estadão

Caso Queiroz. A atuação do grupo especializado, que entrou em fevereiro no inquérito sobre o suposto esquema de desvio de salário de assessores no gabinete de Flávio na Alerj, prática conhecida como “rachadinha”, deu novo rumo às investigações que miram a atuação do ex-assessor Fabrício Queiroz, policial militar da reserva e amigo da família Bolsonaro que movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta no período de um ano de forma considerada atípica pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). São apurados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e atos de improbidade administrativa.

Em cerca de quatro meses, o Gaecc ampliou o escopo da investigação e foi responsável pela obtenção da quebra de sigilo de 86 pessoas e 8 empresas ligadas ao filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, decretada pela Justiça Estadual. 

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Nas últimas três semanas, a reportagem buscou posição oficial dos integrantes do grupo. Mas o sigilo, mais do que estratégia de investigação dos promotores, foi uma imposição do juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27.ª Vara Criminal.

Diligências. O Ministério Público considera que a confissão feita por Queiroz de que se apropriava de parte dos salários de assessores do então deputado estadual Flávio Bolsonaro corroborou as suspeitas de peculato envolvendo o dinheiro da Alerj, mas ocultou os demais envolvidos e beneficiados. 

Novas diligências em curso e análise do material vão dar a dimensão dos desvios de salários de assessores ao longo dos 12 anos apurados. E se houve ou não envolvimento de Flávio Bolsonaro no crime de peculato confesso por Queiroz, segundo o MP do Rio.

“Somente com a análise pormenorizada e cruzamentos dos dados bancários e fiscais será possível quantificar com precisão o volume total de recursos desviados dos cofres públicos pelos crimes de peculato, materializados no esquema das ‘rachadinhas’, e perseguir o destino das verbas públicas desviadas além de descortinar os crimes de lavagem de dinheiro praticados através de transações imobiliárias e bancárias, bem como os coatores da organização criminosa”, escrevem os promotores no pedido de quebra de sigilo enviado em abril e aceito pela Justiça.

O ex-assessor de Flávio, depois de adiar ao máximo seu depoimento, afirmou no final de fevereiro ao Ministério Público que recolhia parte dos salários dos assessores contratos pelo gabinete na Alerj para gerar recursos para contratar assessores externos informais – engenharia financeira que assumiu ter montado à revelia do ex-chefe. 

Queiroz registrou no depoimento dado por escrito via defesa que desconhecia a ilicitude dos atos. Também não apresentou provas das subcontratações. Os promotores registram em documento que os dados bancários e fiscais fornecerão “maior dilação probatória para apurar o valor total desviado, a destinação dos repasses e a identificação de todos os autores, coautores e partícipes das condutas delituosas”. COLABOROU FABIO LEITE

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