Grupo responsável por obra em presídio de Mossoró tem contratos milionários com empresas fantasmas

R7 Facilities, que atua em penitenciárias federais mesmo em nome de laranjas, declara prestar serviços para firmas que não funcionam nos endereços registrados na Receita Federal e cuja dona não soube explicar a operação; CGU investiga grupo suspeito de fraudar licitações

PUBLICIDADE

Foto do author Tácio Lorran
Foto do author Vinícius Valfré
Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA - Responsável por contratos com o governo federal que somam mais de R$ 1 bilhão, a R7 Facilities, que atua dentro de presídios federais do País, afirma em balanços fazer negócios com empresas com indícios de serem fantasmas. A companhia, registrada em nome de um laranja, diz ter sido contratada para serviços que somam R$ 40 milhões por duas firmas que não funcionam nos endereços que informam à Receita Federal.

PUBLICIDADE

A R7 Facilities é responsável por obras de manutenção no presídio federal de Mossoró (RN), de onde duas pessoas ligadas ao Comando Vermelho fugiram no último dia 14. Conforme revelou o Estadão, a empresa tem um faturamento milionário, mas está registrada em nome de um técnico em contabilidade que recebeu 12 parcelas do auxílio emergencial durante a pandemia da covid-19. Gildenilson Braz Torres mora em uma casa simples na periferia do Distrito Federal e tinha apenas R$ 523,64 em suas contas bancárias, segundo ação de execução fiscal de fevereiro de 2022.

Em nota, a R7 Facilities informou que tem um “histórico inquestionável de excelência na prestação de seus serviços”, mas não explicou supostos serviços com empresas que não existem. A empresa ressaltou que “se reserva o direito de não fazer comentários sobre o setor privado, nem sobre seus contratos nem sobre empresas parcerias”.

Em uma relação de contratos com órgãos públicas e privados entregue ao governo federal, obtida pelo Estadão, a R7 Facilities informou prestar serviços para duas empresas com indícios de serem de fachada: a G&G Empreendimentos Imobiliários e a Falcon Facilities.

A suspeita de especialistas em serviços de terceirização já levada a técnicos do governo é a de que os contratos podem ter sido simulados para inflar balanços e ajudar a R7 a usar o benefício da desoneração da folha de pagamento para oferecer preços mais vantajosos em processos licitatórios. A Controladoria-Geral da União (CGU) investiga a atuação das empresas.

A G&G Empreendimentos Imobiliários tem como endereço um escritório num prédio comercial na área central de Brasília. No local funciona uma outra firma, a Siello Tecnologia, que pertence ao advogado Alair Ferraz, ligado ao ex-deputado distrital Carlos Tabanez, apontado como o verdadeiro dono da R7 Facilities. Uma funcionária que trabalha no escritório da Siello disse à reportagem desconhecer a G&G.

No papel, a G&G pertence a Eliseuma Costa Alves, a Elis. Ela é dona de uma clínica de estética e não soube dar informações sobre a companhia. Em seu Linkedin, ela conta ter sido funcionária da B2B, uma outra empresa do mesmo grupo apontado em reportagem do Estadão e que entrou na mira da Controladoria-Geral da União (CGU) por suspeitas de conluio e de fraude em licitações.

Publicidade

G&G não funciona no endereço onde informou à Receita Federal. No papel, empresa está em nome de Eliseuma Alves (destaque), localizada trabalhando em uma clínica de estética. Ela afirmou desconhecer a operação da G&G. Foto: Vinícius Valfré - @livraderme via Instagram

A reportagem encontrou Elis em sua recém-inaugurada clínica, num prédio em Taguatinga, região administrativa do DF. Ela deu informações equivocadas sobre a operação da G&G Empreendimentos Imobiliários e sequer sabia da existência da R7 Facilities, com quem teria um contrato de R$ 26,8 milhões.

A empresa que eu tenho no meu nome é essa, a Livraderme. A G&G... sobre terceirização, né, que a gente presta serviço... Mas aí é o caso que eu tenho que estar com meu advogado próximo, né. Como eu vou ficar assim informando sobre [a empresa]?”

Eliseuma Alves, no papel, dona da G&G

Segundo dados da Receita, a G&G não presta serviços de terceirização. Na verdade, ela atua com incorporação de empreendimentos imobiliários, cultivo de grãos e criação de animais.

Por fim, Eliseuma indicou o advogado Amom Figueiredo para comentar sobre o assunto como representante da G&G. Amom é aliado de Tabanez e diretor operacional da R7 Facilities. O vínculo de Amom com a G&G e, ao mesmo tempo, com a R7 reforça indícios de atuação conjunta do grupo. Procurados, eles não quiseram comentar.

PUBLICIDADE

Já a Falcon Facilities, outra empresa que teria contratado a R7 Facilities por R$ 13,8 milhões, está registrada em um prédio na região do Núcleo Bandeirantes. No local funcionam outras duas empresas, a B2B e a AC Segurança. Dois colaboradores negaram à reportagem a existência da Falcon no local.

A Falcon tem como advogado em processos na Justiça Alair Ferraz. Na Receita Federal, o administrador é Nathan Almeida, o Nanau. Ele fez campanha em suas redes sociais para Tabanez nas eleições de 2022. O ex-policial conseguiu 14,5 mil votos, insuficientes para assumir uma cadeira na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Procurado na residência onde mora e por meio de um aplicativo de mensagens, Nanau não se manifestou e bloqueou a reportagem.

Falcon não funciona no endereço informado à Receita Federal. Empresa pertence, no papel, a Nathan Andrade (destaque). No local, há outras duas companhias. Funcionários afirmaram desconhecer a existência da Falcon Foto: Vinícius Valfré - @nathan2517 via Instagram

Falcon, G&G, R7 Facilities, B2B, AC Segurança e outras seis empresas são suspeitas de integrarem um esquema bilionário de terceirização envolvendo o uso de laranjas, empresas de fachadas e fraudes em licitações. O desenho do grupo aponta sempre para os mesmos articuladores: o ex-policial civil Carlos Tabanez e o empresário Edison Júnior, o Edinho.

Players do mercado afirmam que os contratos feitos pela R7 Facilities com empresas do mesmo grupo, incluindo firmas de fachada, desrespeitam os princípios da legalidade, isonomia e da moralidade que regem os processos licitatórios.

Publicidade

Um dos benefícios conquistados com esses contratos fictícios seria a desoneração da folha de pagamento. “Concomitantemente, verificou-se que a empresa R7, apesar de afirmar se beneficiar da desoneração tributária, não preenche os requisitos legais e regulamentares necessários para tal benefício, o qual, vem sendo utilizado para vencer licitações sem poder, de forma indevida, ilegal e arbitrária”, informou um concorrente no âmbito de um recurso apresentado ao Ministério da Gestão.

Além da G&G Empreendimentos Imobiliários e da Falcon, a R7 Facilities tem contratos de R$ 32,2 milhões com a Qualifoco e de R$ 37 milhões com a B2B, todos nas áreas de “manutenção e reforma” e “manutenção predial”. A Qualifoco já pertenceu a Wesley Fernandes Camilo, um brigadista morador da periferia de Brasília que foi o primeiro laranja para o qual a R7 foi transferida, em 2021.

Procurada, a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República informou que a Controladoria-Geral da União (CGU) abriu uma investigação sobre as seis empresas do grupo que têm contratos com o governo federal. A R7 Facilities já é investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), após o Estadão revelar que a firma está registrada em nome de um laranja. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) informou ter acionado os órgãos federais competentes para apurar o caso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.