O "cabo de guerra" entre os grupos ideológicos que compõem o governo Bolsonaro deverá afetar muito mais que o dia a dia da administração. O apoio do presidente a uma ou outra ala nos grandes temas poderá moldar o destino do País nos próximos anos e talvez até décadas.
Se a ala liberal, liderada pelo ministro Paulo Guedes, conseguir emplacar seu receituário na economia, defendido por Bolsonaro na campanha eleitoral, o Brasil provavelmente terá condições de crescer de forma mais acelerada e sustentável, favorecendo a prosperidade geral.
Centrada nas reformas estruturais, como a da Previdência e a tributária, no equilíbrio fiscal, na redução do tamanho do Estado, na abertura comercial e na descentralização dos recursos hoje concentrados em Brasília, a plataforma da ala liberal poderá descortinar novos horizontes ao País.
"O Brasil foi a economia de maior ritmo de crescimento durante três quartos do século passado, depois perdeu potência. E perdeu potência pela insistência no modelo de economia de comando central, ao invés de uma economia de mercado", disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao assumir o cargo.
Se, ao contrário, Bolsonaro travar a liberalização e encampar a visão desenvolvimentista que marcou sua trajetória política até a propalada conversão liberal, poderá comprometer o crescimento econômico, por mais que isso possa parecer um resultado incompatível com o ufanismo embutido no termo que dá nome ao modelo.
Implementado pelo general Ernesto Geisel no regime militar e reproduzido com perdas pelas gestões do PT, a partir do segundo mandato de Lula, deixou um saldo dramático nos dois períodos, com desequilíbrio nas contas públicas, inflação em alta, estagnação econômica e aumento significativo do desemprego.
Baseado na intervenção do Estado na economia, na substituição de importações, com apoio de medidas protecionistas, na concentração dos recursos no governo federal e no assistencialismo, o modelo desenvolvimentista ainda tem muitos adeptos nas alas militar, política, evangélica e olavista (seguidora das ideias do pensador e escritor Olavo de Carvalho), que dão suporte a Bolsonaro.
Além disso, se a política externa do novo governo se pautar por questões ideológicas, em vez de adotar o pragmatismo nos relacionamentos comerciais, o impacto na economia também tende a ser negativo. Em princípio, a maior inserção do Brasil na arena global não é incompatível com a rejeição do multilateralismo e do globalismo, defendida pelos olavistas e pelo próprio presidente, sob a alegação de que podem ampliar a influência de organizações internacionais no País. Mas isso não pode implicar em deixar em segundo plano o desenvolvimento do comércio exterior e a globalização da economia nacional.
Em tese, a liberalização econômica também não é incompatível com o conservadorismo nos costumes, apoiado pelo presidente e por praticamente todos os integrantes das diferentes alas ideológicas que participam do novo governo. Muitos adeptos do liberalismo, porém, defendem a tese de que, para se realizar plenamente, o sistema tem de incluir a liberalização comportamental em sua plataforma.
Na prática, independentemente desta discussão teórica, pode-se esperar que, no governo Bolsonaro, a chamada "ideologia de gênero" deixe de ser uma política de Estado, imposta de cima para baixo à população, e haja um fortalecimento dos valores morais tradicionais, que teriam ficado para trás nos últimos tempos, de acordo com a visão do presidente e de seus aliados. "A minoria tem de se curvar à maioria", costuma dizer Bolsonaro.
Por fim, do apoio de Bolsonaro às propostas da ala lavajatista, capitaneada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, dependerá o combate a corrupção, o fim da impunidade e o império da lei e da ordem no País. Para ser bem-sucedido, o projeto dos lavajatistas dependerá, em boa medida, da redução do peso do Estado na vida das empresas e dos indivíduos, já que é no setor público que a corrupção prospera.
Agora, se Bolsonaro perder a oportunidade de promover a mudança e se deixar influenciar pela ala política, amansando as propostas dos lavajatistas para beneficiar quem tem "culpa no cartório", o Brasil continuará a ser o paraíso dos criminosos, de colarinho branco ou não.
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